Direito Civil - Vol. 1

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A EDITORA MÉTODO se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (impressão eapresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Os vícios relacionados à atualização daobra, aos conceitos doutrinários, às concepções ideológicas e referências indevidas são de responsabilidade do autore/ou atualizador.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibida a reprodução total ouparcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos,fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor.Impresso no Brasil – Printed in Brazil Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesaCopyright 2014 byEDITORA MÉTODO LTDA.Uma editora integrante do GEN Grupo Editorial NacionalRua Dona Brígida, 701, Vila Mariana – 04111-081 – São Paulo – SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) 3543-0770 – Fax: (11) 5080-0714metodo@grupogen.com.br www.editorametodo.com.br Capa: Rafael Molotievschi Produção Digital: Geethik CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.Tartuce, FlávioDireito civil, 1 : Lei de introdução e parte geral / Flávio Tartuce. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense;São Paulo: MÉTODO, 2014.Inclui bibliografiaISBN 978-85-309-5399-71. Direito civil - Brasil. 2. Lei de introdução e parte geral08-2632CDU: 347(81)

Às professorasGISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA e MARIA HELENA DINIZdedico a presente obra, agradecendo todo o carinho, todo o afeto e todo o conhecimentotransmitido.

NOTA DO AUTOR À 10.ª EDIÇÃOOs Volumes 1, 2 e 3 desta coleção de Direito Civil avançam, ano a ano vêm conquistando,gradualmente, novos horizontes no mercado editorial brasileiro.Neste ano de 2014, este Volume 1 – que trata da Lei de Introdução e da Parte Geral – alcança aemblemática 10ª edição, o que demonstra o aniversário de uma década como autor. De livrosescritos inicialmente para as provas e concursos públicos, as obras chegaram aos cursos degraduação e de pós-graduação.Mais uma vez, os volumes foram revistos, ampliados e atualizados. Como é de costume, foramacrescentadas as principais alterações legislativas do último ano – devidamente comentadas –, novasdoutrinas, os julgamentos mais importantes de 2013 – sobretudo do Superior Tribunal de Justiça – enovas questões de provas para que o aluno, desde a graduação, possa verificar seus conhecimentos, oque se tornou muito importante no mercado jurídico brasileiro. Para as edições de 2014, foramincluídos, ainda, os Enunciados aprovados na VI Jornada de Direito Civil, promovida peloConselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em março do último ano. Mais umavez, tive a honra de participar do evento, atuando como relator da comissão de ResponsabilidadeCivil.Destaco, também, o acréscimo de novas conclusões e pensamentos, diante do intenso trabalhoacadêmico desenvolvido no último ano, notadamente no programa de mestrado e doutorado daFaculdade Autônoma de Direito (FADISP). Sempre às terças-feiras, tive a feliz oportunidade deministrar as disciplinas Função social e constitucionalização do Direito Privado: DireitoExistencial e Direito Patrimonial e Desafios Concretos do Direito Civil Constitucional. Gostariade agradecer aos meus orientandos e alunos-professores pela profundidade e extensão dos debates,que possibilitaram o meu crescimento acadêmico e profissional, em especial a José Antonio Martos(doutorando), Élcio Arruda (doutorando), Taís Fernandes Duarte (doutoranda), Carlos AlexandreMoraes (doutorando), Maurício Prazak (doutorando), Fábio Ricardo Rodrigues Brasilino(doutorando), José Luiz Toro (doutorando), Adriana Augusta Telles (doutoranda), Silvia BellandiPaes (mestranda), Leandro Eduardo Pereira Lemos (mestrando) e André Luiz Mattos (mestrando).Espero que o próximo ano seja tão rico como o último, até porque ampliarei minha atuação emcursos de pós-graduação stricto sensu.Não poderia deixar de agradecer à Professora Giselda Hironaka por mais essa oportunidade, quemudou o meu perfil de atuação como docente.Agradeço, por fim, à minha família, por sempre estar ao meu lado nos momentos em queefetivamente precisei. O meu afeto à minha mãe Maria Eliana, à minha irmã Fernanda Tartuce (comquem convivi ainda mais, por conta da FADISP) e aos meus filhos, Enzo e Laís. Por fim, à minhaPrincesa Leia, a quem devo a inspiração de sempre e os conselhos para percorrer os mais árduoscaminhos da minha vida pessoal e profissional.Vila Mariana, São Paulo, fim de novembro de 2013.

PREFÁCIOFlávio Tartuce, mestre em direito civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, bastantededicado ao estudo e ao magistério, nesta obra traça um panorama geral, procurando abordaraspectos mais relevantes da Lei de Introdução e da Parte Geral do novel Código Civil, sem olvidardos testes já aplicados por inúmeras instituições para preenchimento de seus cargos, tendo porescopo uma coisa só: facilitar o dia a dia dos inscritos em concursos públicos, conduzindo-os àaprovação, colocando, de forma certeira, ao seu alcance conhecimentos teóricos e práticos.Clara é a preocupação do autor em repassar de modo breve, fazendo uso de linguagem simples eobjetiva, as noções básicas sobre: direito intertemporal, interpretação, integração de lacuna, soluçãode conflitos normativos, pessoa natural e jurídica, bens, negócio jurídico, prescrição e decadência,meios probatórios etc. Para tanto, valeu-se de sólidas construções doutrinárias, além de enfrentar asprincipais questões polêmicas engendradas pelo novo Código Civil, tornando-as mais claras.Com sua experiência, o autor não se limitou a fazer meros bosquejos dos temas, mas procurouregistrar seu posicionamento sobre eles.Trata-se de obra de consulta obrigatória e de grande utilidade aos que se preparam para osconcursos públicos por fornecer valiosos subsídios aos seus estudos.São Paulo, 20 de abril de 2005Maria Helena Diniz

Nota da Editora: o acordo ortográfico foi aplicado integralmente nesta obra.

SUMÁRIO1. LEI DE INTRODUÇÃO1.1 Aspectos gerais de direito privado1.1.1 Introdução1.1.2 As fontes do direito. A lei. As formas de integração da norma jurídica e as ferramentasdo sistema jurídico1.1.2.1 Fontes formais, diretas ou imediatas1.1.2.2 Fontes não formais, indiretas ou mediatas1.1.3 A lei como fonte principal do direito brasileiro. O problema das lacunas da lei1.1.3.1 Da vigência das leis no tempo1.1.3.2 Da vigência das leis no espaço1.1.3.3 Principais classificações da lei1.1.3.4 A interpretação das leis1.1.3.5 As fontes diretas secundárias: a analogia, os costumes, os princípios gerais dodireito. Estudo específico e aprofundado1.1.3.6 As fontes não formais, indiretas ou mediatas: a doutrina, a jurisprudência e aequidade1.1.4 As antinomias ou lacunas de conflito1.2 Da proteção do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido (arts. 6. , da Leide Introdução, e 5. , XXXVI, da CF/1988). Relativização da proteção1.3 As normas específicas de Direito Internacional Público e Privado constantes na Lei deIntrodução. Breves comentários1.4 Resumo esquemático1.5 Questões correlatasGabarito2. ENTENDENDO O CÓDIGO CIVIL DE 20022.1 Introdução2.2 Codificar é preciso? O big bang legislativo e o sistema solar2.3 Visão geral do Código Civil de 2002. Diretrizes básicas da sua elaboração2.4 Os princípios do Código Civil de 2002 segundo Miguel Reale2.4.1 O princípio da eticidade2.4.2 O princípio da socialidade2.4.3 O princípio da operabilidade

2.5 Fundamentos teóricos e filosóficos da atual codificação privada. O Direito CivilContemporâneo ou novo Direito Civil. Influências da Ontognoseologia Jurídica de MiguelReale no Código Civil de 20022.6 Direito Civil e Constituição. Amplitude da expressão Direito Civil Constitucional. A eficáciahorizontal dos direitos fundamentais2.7 O diálogo das fontes2.8 Resumo esquemático2.9 Questões correlatasGabarito3. ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PARTE GERAL. DA PESSOA NATURAL3.1 Da pessoa natural, humana ou física. Conceitos iniciais. Personalidade e capacidade. Asituação jurídica do nascituro3.1.1 Os absolutamente incapazes3.1.2 Os relativamente incapazes3.1.3 Teoria geral da representação3.1.4 Da emancipação3.2 Os direitos da personalidade na concepção civil-constitucional3.2.1 Introdução. Conceito de direitos da personalidade3.2.2 Classificação e características dos direitos da personalidade3.2.2.1 Direitos inatos, ilimitados e absolutos3.2.2.2 Direitos intransmissíveis e indisponíveis3.2.2.3 Direitos irrenunciáveis3.2.2.4 Direitos imprescritíveis3.2.2.5 Direitos impenhoráveis e inexpropriáveis3.2.3 Os direitos da personalidade e as grandes gerações ou dimensões de direitos3.2.4 Previsões legais de proteção aos direitos da personalidade no Código Civil de 20023.3 Domicílio da pessoa natural3.4 Morte da pessoa natural3.4.1 Morte real3.4.2 Morte presumida sem declaração de ausência. A justificação3.4.3 Morte presumida com declaração de ausência3.4.3.1 Da curadoria dos bens do ausente (arts. 22 a 25 do CC)3.4.3.2 Da sucessão provisória (arts. 26 a 36 do CC)3.4.3.3 Da sucessão definitiva (arts. 37 a 39 do CC)3.4.4 Da comoriência3.5 O estado civil da pessoa natural. Visão crítica

3.6 Resumo esquemático3.7 Questões correlatasGabarito4. DA PESSOA JURÍDICA4.1 Introdução. Conceito de pessoa jurídica. Regras gerais4.2 Principais classificações gerais da pessoa jurídica4.2.1 Quanto à nacionalidade4.2.2 Quanto à estrutura interna4.2.3 Quanto às funções e capacidade4.3 Da pessoa jurídica de direito privado. Figuras previstas no art. 44 do CC4.3.1 Das fundações particulares4.3.2 Das associações4.3.3 Das sociedades4.3.4 Das organizações religiosas e dos partidos políticos. Corporações sui generis4.3.5 Das empresas individuais de sociedade limitada (EIRELI)4.4 Regras de Direito Intertemporal quanto às pessoas jurídicas4.5 Domicílio das pessoas jurídicas4.6 Extinção da pessoa jurídica e destinação dos bens4.7 Da desconsideração da personalidade jurídica4.8 Entes ou grupos despersonalizados4.9 Resumo esquemático4.10 Questões correlatasGabarito5. DO OBJETO DO DIREITO. OS BENS5.1 Conceito de bens5.2 Principais classificações dos bens5.2.1 Classificação quanto à tangibilidade5.2.2 Classificação dos bens quanto à mobilidade5.2.3 Classificação quanto à fungibilidade5.2.4 Classificação quanto à consuntibilidade5.2.5 Classificação quanto à divisibilidade5.2.6 Classificação quanto à individualidade5.2.7 Classificação quanto à dependência em relação a outro bem (bens reciprocamenteconsiderados)

5.2.8 Classificação em relação ao titular do domínio5.3 Do bem de família5.3.1 Introdução. Concepção civil-constitucional do bem de família. A nova dimensão daideia de patrimônio5.3.2 O bem de família convencional ou voluntário5.3.3 O bem de família legal5.4 Resumo esquemático5.5 Questões correlatasGabarito6. TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO6.1 Fatos, atos e negócios jurídicos. Conceitos iniciais6.2 Do ato jurídico em sentido estrito ou ato jurídico stricto sensu6.3 Do negócio jurídico6.3.1 Principais classificações dos negócios jurídicos6.3.2 Os elementos constitutivos do negócio jurídico6.3.2.1 Introdução. Os três planos do negócio jurídico. A escada ponteana6.3.2.2 Elementos essenciais do negócio jurídico6.3.2.3 Elementos naturais ou identificadores do negócio jurídico6.3.2.4 Elementos acidentais do negócio jurídico6.4 Resumo esquemático6.5 Questões correlatas.Gabarito7. DEFEITOS OU VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO E TEORIA DAS NULIDADES7.1 Introdução. Classificação dos vícios do negócio jurídico7.2 Do erro e da ignorância7.3 Do dolo7.4 Da coação7.5 Do estado de perigo7.6 Da lesão7.7 Da fraude contra credores7.8 O novo tratamento da simulação7.9 Da invalidade do negócio jurídico. A teoria das nulidades do negócio jurídico7.9.1 Introdução7.9.2 Da inexistência do negócio jurídico

7.9.3 Da nulidade absoluta7.9.4 Da nulidade relativa ou anulabilidade7.10 Resumo esquemático7.11 Questões correlatasGabarito8. DA PRESCRIÇÁO E DA DECADÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002. O TRATAMENTODIFERENCIADO8.1 Introdução8.2 Da prescrição8.2.1 Conceito de prescrição8.2.2 Disposições gerais sobre a prescrição8.2.3 Das causas impeditivas e suspensivas da prescrição8.2.4 Das causas de interrupção da prescrição8.2.5 Dos prazos de prescrição previstos na Parte Geral do Código Civil. As açõesimprescritíveis8.2.6 Prescrição e direito intertemporal8.3 Da decadência. Conceitos e disposições gerais8.3.1 Prazos de decadência8.4 Resumo esquemático8.5 Questões correlatasGabarito9. A PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO NO CÓDIGO CIVIL DE 20029.1 Introdução. A necessidade de o Código Civil trazer um capítulo específico quanto à prova9.2 Os meios de prova previstos pelo Código Civil de 2002. Análise das regras constantes daatual codificação privada9.3 Presunções, perícias e investigação de paternidade. Tratamento legal e análise prática9.4 Confrontação entre o art. 221 do Código Civil e o art. 585, II, do CPC. Aplicação do estudodas antinomias ou lacunas de conflito9.5 Resumo esquemático9.6 Questões correlatasGabaritoBIBLIOGRAFIA

LEI DE INTRODUÇÃOSumário: 1.1 Aspectos gerais de Direito Privado: 1.1.1 Introdução; 1.1.2 As fontes do direito. A lei. As formasde integração da norma jurídica e as ferramentas do sistema jurídico; 1.1.3 A lei como fonte principal do direitobrasileiro. O problema das lacunas da lei; 1.1.4 As antinomias ou lacunas de conflito – 1.2 Da proteção do atojurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido (arts. 6. , da Lei de Introdução, e 5. , XXXVI, daCF/1988). Relativização da proteção – 1.3 As normas específicas de Direito Internacional Público e Privadoconstantes na Lei de Introdução. Breves comentários – 1.4 Resumo esquemático – 1.5 Questões correlatas.1.1 ASPECTOS GERAIS DE DIREITO PRIVADO1.1.1 IntroduçãoO Decreto-lei 4.657/1942, que instituiu a Lei de Introdução, é um conjunto de normas sobrenormas, ou uma norma de sobredireito (lex legum), eis que disciplina as próprias normas jurídicas,prevendo a maneira de sua aplicação no tempo e no espaço, bem como a sua compreensão e oentendimento do seu sentido lógico, determinando também quais são as fontes do direito, emcomplemento ao que consta na Constituição Federal.A lei em questão não é só importante para o Direito Civil, atingindo outros ramos do DireitoPrivado ou mesmo do Direito Público. Por isso, e por bem, a recente Lei 12.376, de 30 de dezembrode 2010, alterou o seu nome de Lei de Introdução ao Código Civil para Lei de Introdução às normasdo Direito Brasileiro. Isso porque, atualmente, a norma mais se aplica aos outros ramos do Direitodo que ao próprio Direito Civil. Por questões didáticas e pelo momento de transição, na presenteobra e nos demais volumes desta coleção, a norma será denominada tão simplesmente de Lei deIntrodução.Com o presente esboço pretende-se demonstrar seu âmbito de aplicação na esfera privada.Frise-se que a Lei de Introdução se dirige a todos os ramos jurídicos, salvo naquilo que forregulado de forma diferente pela legislação específica. Ao contrário das outras normas, que têmcomo objeto o comportamento humano, a Lei de Introdução tem como objeto a própria norma. Por talrazão é que se aponta tratar-se de uma norma de sobredireito.1.1.2 As fontes do direito. A lei. As formas de integração da norma jurídica e asferramentas do sistema jurídicoA expressão fontes do direito é utilizada de forma figurada para designar o ponto de partida para osurgimento do direito e do seu estudo, a ciência jurídica. Serve também para demonstrar quais são asmanifestações jurídicas, ou seja, as formas de expressão do direito, como prefere Rubens Limongi

França (Instituições., 1996, p. 10). Assim, procurar as fontes do direito significa buscar o ponto deonde elas surgiram, no aspecto social, para ganhar relevância jurídica. Não há unanimidade naclassificação das fontes do direito, sendo certo que, em uma visão civilista clássica, pode seradotada a seguinte classificação:1.1.2.1 Fontes formais, diretas ou imediatasSão constituídas pela lei, pela analogia, pelos costumes e pelos princípios gerais de direito,conceitos que são retirados do art. 4. da Lei de Introdução. São fontes independentes que derivamda própria lei, bastando por si para a existência ou manifestação do direito. A lei constitui fonteformal, direta ou imediata primária, enquanto a analogia, os costumes e os princípios gerais dodireito constituem fontes formais, diretas ou imediatas secundárias.Logicamente, a lei é a principal fonte (fonte formal primária) do direito brasileiro, porque o nossosistema é baseado no sistema romano-germânico da Civil Law, sendo as demais fontes diretasacessórias (fontes formais secundárias). Por certo que, com a Emenda Constitucional 45/2004, queintroduziu a súmula vinculante, surgem dúvidas se o nosso País continua filiado ao sistema citado, ouse adotamos um sistema misto, próximo ao da Common Law, baseado nos costumes e nas decisõesdo Poder Judiciário.A respeito dos primeiros impactos da súmula vinculante em nosso País, André Ramos Tavaresaponta uma radical oposição e aparente incompatibilidade entre o modelo brasileiro e o da CommonLaw, pois “enquanto o modelo codificado (caso brasileiro) atende ao pensamento abstrato ededutivo, que estabelece premissas (normativas) e obtém conclusões por processos lógicos,tendendo a estabelecer normas gerais organizadoras, o modelo jurisprudencial (caso norteamericano, em parte utilizado como fonte de inspiração para criação de institutos no Direitobrasileiro desde a I República) obedece, ao contrário, a um raciocínio mais concreto, preocupadoapenas em resolver o caso particular (pragmatismo exacerbado). Este modelo do common law estáfortemente centrado na primazia da decisão judicial (judge made law).É, pois, um sistemanitidamente judicialista. Já o direito codificado, como se sabe, está baseado, essencialmente, na lei”(Nova lei., 2007, p. 20).Indagações pairam no ar quanto ao reconhecimento da súmula vinculante como fonte primária denosso ordenamento jurídico. A Emenda Constitucional 45 introduziu o art. 103-A ao Texto Maior,com a seguinte redação: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matériaconstitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeitovinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta ouindireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão oucancelamento, na forma estabelecida em lei”.A inovação está sendo debatida pela comunidade jurídica nacional e pela doutrina especializada.Destaque-se que entrou em vigor a Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006, regulamentando aaplicação da súmula vinculante, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal já aprovou algumas. Oque se percebe é que foi dada a partida para a discussão do alcance prático do instituto em questão.Há quem entenda que a súmula vinculante deve ser tida como fonte formal primária do Direito

Brasileiro. Parece ser essa a conclusão a que chega José Marcelo Menezes Vigliar, ao afirmar que “aregra da vinculação é extremamente clara e tem uma força que, convenhamos, supera em algunsaspectos a força da lei, pois a lei pode ser interpretada e levada aos tribunais. A decisão, nos limitesdo previsto na Constituição Federal, não. Terá eficácia erga omnes e efeito vinculante aos demaisjuízes e Administração” (A reforma., Reforma do Judiciário., 2005, p. 288). Todavia, pensandomelhor sobre o tema, concluímos que a súmula vinculante tem uma posição intermediária, entre asleis e as demais fontes do direito. Nessa linha, destaca Walber Moura Agra que as súmulasvinculantes não são leis, não tendo a mesma força dessas (AGRA, Walber de Moura. Curso.,2008, p. 500).Em complemento a essa interessante conclusão, comentando a nova lei que regulamenta a súmulavinculante, André Ramos Tavares aponta a existência de críticas em relação ao instituto e indaga qualé a função do Poder Judiciário. Ensina esse doutrinador que “A respeito da liberdade (de convicção)da magistratura em face da súmula vinculante, é necessário ponderar que: (i) ao magistrado semprerestará avaliar se aplica ou não uma dada súmula a um determinado caso concreto (operação deverificação), o que é amplamente reconhecido nos precedentes do Direito norte-americano; (ii)também a própria súmula é passível de interpretação, porque vertida em linguagem escrita, tal comoas leis em geral” (Nova lei., 2007, p. 108). No segundo ponto reside uma das supostas fraquezas doinstituto em comento.Relativamente às fontes formais secundárias, como mencionado, essas também constam da lei,particularmente do art. 4. da Lei de Introdução, a saber: analogia, costumes e princípios gerais dodireito.Na primeira edição desta obra foi defendido que a ordem constante do art. 4. da Lei deIntrodução é perfeitamente lógica e deve ser seguida. Entretanto, a nossa opinião mudou na segundaedição do trabalho. Isso, diante da eficácia imediata e horizontal dos direitos fundamentais, daaplicação direta das normas protetivas da pessoa humana e dos princípios correlatos nas relaçõesprivadas, os quais estão de acordo com a tendência de constitucionalização do Direito Civil. Ora,como é possível aplicar a analogia antes de um princípio constitucional que resguarda um direitofundamental? Oportunamente serão demonstradas as razões dessa mudança de entendimento.1.1.2.2 Fontes não formais, indiretas ou mediatasConstituídas, basicamente, pela doutrina e jurisprudência, que não geram por si só regra jurídica,mas acabam contribuindo para a sua elaboração. Esses institutos não constam da lei como fontes dodireito de forma expressa. Alguns autores, entretanto, pretendem colocar a doutrina e ajurisprudência dentro do conceito de costumes.De acordo com a melhor construção de Maria Helena Diniz, o costume é constituído por doiselementos básicos: o uso e a convicção jurídica daqueles que o praticam (Lei de introdução., 2001,p. 119). Sendo assim, doutrina e jurisprudência podem ser consideradas partes integrantes doelemento costume, constituindo também fontes formais, diretas ou imediatas secundárias do direito,desde que reconhecida a sua utilização pela comunidade jurídica em geral.Ensina Ricardo Luís Lorenzetti que o costume “tem um desempenho fundamental no DireitoContemporâneo, como teve no Direito antigo. Seu papel amplia e integra-se ao Direito, não somente

como conflito, mas como atuação social, já que permite predizer o que os outros farão”(Fundamentos., 1998, p. 272). Havendo tal reconhecimento como parte do costume, como ocorrecom as súmulas dos Tribunais Superiores (STF, STJ e TST), devem tanto a doutrina quanto ajurisprudência ser consideradas como fontes formais do direito. No caso dessas decisões judiciais,utiliza-se a expressão costume judiciário.Ademais, pela sistemática do Código Civil de 2002, deve-se considerar que a equidade, a justiçado caso concreto, conforme Aristóteles, também é fonte não formal, indireta ou mediata do DireitoPrivado, assim como o são, em regra, doutrina e jurisprudência. Isso porque adota o atual CódigoCivil um sistema de cláusulas gerais, pelo qual por diversas vezes é o aplicador do Direitoconvocado a preencher janelas abertas deixadas pelo legislador, de acordo com a equidade, o bomsenso. Esse sistema de cláusulas gerais mantém relação com o princípio da operabilidade, um dosregramentos básicos da codificação em vigor.Superada essa observação, passa-se ao estudo das tradicionais fontes do direito, de formadetalhada e com maiores aprofundamentos.1.1.3 A lei como fonte principal do direito brasileiro. O problema das lacunas da leiA lei pode ser definida de vários modos. Preferimos conceituá-la da seguinte forma: a lei é anorma imposta pelo Estado, devendo ser obedecida, assumindo forma imperativa. Como aponta amelhor doutrina, “A norma jurídica é um imperativo autorizante” (DINIZ, Maria Helena. Conceito denorma., 2003). Para tanto, Maria Helena Diniz utiliza a conceituação de Goffredo Telles Jr.,professor emérito da Universidade de São Paulo (O direito quântico., 1971).Nas sociedades contemporâneas, a lei é indiscutivelmente a mais importante das fontes da ordemjurídica, tendo aplicação imediata. Nunca é demais repetir o texto que consta do art. 5. , II, daCF/1988, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude de lei” (princípio da legalidade), o que demonstra muito bem qual o alcance da normajurídica para o ordenamento jurídico nacional. Dessa forma, prevista a lei para um caso concreto,merece esta aplicação direta, conhecida como subsunção, conceituada como sendo a incidênciaimediata ou direta de uma norma jurídica.De toda a sorte não se pode ter um apego total à lei, sob pena de se cair nas raias do mais purolegalismo. Deve-se ter em mente que não vivemos sob o império do Estado de Legalidade, mas doEstado de Direito. Em suma, a conclusão é que a lei não é o teto para as interpretações jurídicas,mas o seu piso mínimo. De outra forma, pode-se dizer que a lei não é a chegada, mas o ponto departida do Direito.Pela literalidade do art. 4. da Lei de Introdução, quando a lei for omissa serão aplicadas asdemais formas de expressão direta do direito, as denominadas formas de integração da normajurídica, que são ferramentas para correção do sistema, utilizadas quando não houver norma previstapara o caso concreto. Em total sintonia com o que prevê a Lei de Introdução, o Código de ProcessoCivil, no seu art. 126, prevê que “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ouobscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normais legais; não as havendo,recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Esse dispositivo veda que omagistrado não julgue o caso concreto, o que se denomina non liquet.

Portanto, deve ser reconhecido que o ordenamento jurídico constitui um sistema aberto, no qual hálacunas, conforme elucida Maria Helena Diniz em sua clássica obra As lacunas no direito (2002, p.1-5). Entretanto, estas lacunas não são do direito, mas da lei, omissa em alguns casos. Em caso delacunas, deverão ser utilizadas as formas de integração, que não se confunde com a subsunção.Nesse sentido, pode-se utilizar a seguinte frase, transmitida a este autor por Maria Helena Diniz nocurso de mestrado da PUC/SP, e de conteúdo interessante:“O Direito não é lacunoso, mas há lacunas.”A frase poderia parecer um paradoxo, mas não é, pois traz muito bem o sentido do ordenamentojurídico. De fato, não existem lacunas no direito, eis que o próprio sistema prevê meios depreenchimento dessas nos arts. 4. e 5. da Lei de Introdução e também na Constituição Federal. Aslacunas existentes são, na essência, da lei, diante da ausência de uma determinada norma jurídicaprevista para o caso concreto.No que tange às lacunas, é interessante seguir a classificação criada por Maria Helena Diniz, daseguinte forma (As lacunas., 2002, p. 95): Lacuna normativa: ausência de norma prevista para um determinado caso concreto. Lacuna ontológica: presença de norma para o caso concreto, mas que não tenha eficáciasocial. Lacuna axiológica: presença de norma para o caso concreto, mas cuja aplicação sejainsatisfatória ou injusta. Lacuna de conflito ou antinomia: choque de duas ou mais normas válidas, pendente de soluçãono caso concreto. As antinomias serão estudadas oportunamente, em seção própria.Encerrando o presente tópico, destaque-se que a lei, como fonte principal do direito, tem asseguintes características básicas:a) Generalidade – a norma jurídica dirige-se a todos os cidadãos, sem qualquer distinção, tendoeficácia erga omnes.b) Imperatividade – a norma jurídica é um imperativo, impondo deveres e condutas para osmembros da coletividade.c) Permanência – a lei perdura até que seja revogada por outra ou perca a eficácia.d) Competência – a norma, para valer contra todos, deve emanar de autoridade competente, como respeito ao processo de elaboração.e) Autorizante – o conceito contemporâneo de norma jurídica traz a ideia de um autorizamento(a norma autoriza ou não autoriza determinada conduta), estando superada a tese de que não hánorma sem sanção (Hans Kelsen).1.1.3.1 Da vigência das leis no tempoA lei passa por um processo antes de entrar em vigor, sendo certo que, após a sua elaboração,promulgação e publicação, tem vigência depois de um período de vacatio legis. Como regra, esse

período é previsto na própria norma, como ocorreu com o Código Civil de 2002 (“Art. 2.044. EsteCódigo entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação”).Não havendo tal previsão específica, segundo consta do art. 1. da Lei de Introdução, o período devacatio será de 45 dias, após a sua publicação oficial.Esse prazo de vacatio legis conta-se incluindo o dia do começo – o dia da publicação – e tambémo último dia do prazo – o dia do vencimento –, conforme determina o art. 8. , § 1. , da LeiComplementar 95/1998, modificado pela LC 107/2001. Esse dispositivo não foi revogado pelo art.132 do atual CC, pelo qual “salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se osprazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. Isso, pela ressalva que consta dopróprio dispositivo da codificação, sendo certo que a primeira norma é especial, devendoprevalecer.Dúvidas surgem a respeito da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Como é notório, a atualcodificação privada foi publicada no Diário Oficial da União do dia 11.01.2002.Pois bem, o art. 2.044 do atual Código Civil, norma de direito intertemporal, deve ser interpretadoem consonância com a citada Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, que trata davigência de leis. Prevê o art. 8. desta norma, inclusive pela nova redação dada pela LC 107, de 26de abril de 2001:“Art. 8. A vigência da lei será

O Direito Civil Contemporâneo ou novo Direito Civil. Influências da Ontognoseologia Jurídica de Miguel Reale no Código Civil de 2002 2.6 Direito Civil e Constituição. Amplitude da expressão Direito Civil Constitucional. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais 2.7 O diálogo das fontes

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to Processual do Trabalho pela Universidade Candido Mendes e em Direito Pro-cessual Civil pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Professora de Direito Processual do Trabalho do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS) e da Pós-graduação da Faculdade Baiana de Direito. Palestrante em diversos Se-minários e Congressos.

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