REVISTA DE DIREITO AGRÁRIO

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REVISTA DEDIREITO AGRÁRIOMinistério do Desenvolvimento AgrárioInstituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaAssociação Brasileira de Direito AgrárioAno 20, n 192007

REVISTA DEDIREITO AGRÁRIOMinistério do Desenvolvimento AgrárioInstituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaAssociação Brasileira de Direito AgrárioAno 20, n 192007

Revista de Direito Agrário / Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. – Ano 1 nº 1(2º trimestre de 1973)- – Brasília: Incra, 1973-Trimestral até 1980. Semestral a partir de 1981. Trimestral a partir de 2006.A partir de 2000, co-edição do Ministério do Desenvolvimento Agrário.A partir de 2006, co-edição do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo de Estudos Agráriose Desenvolvimento Rural ; Associação Brasileira de Direito Agrário.Interrompida [Ano 11 n. 11; jul. dez. 1986] ; [Ano 16 n. 13 1º semestre 2000].[Ano 10, nº 12 ; 2º semestre 1994]. Edição especial. Estatuto da terra.Distribuição gratuita.Disponível também em www.incra.gov.br ; www.nead.org.br ; www.abda.com.br.Descrição baseada em Ano 1 n. 1 (2º trimestre de 1973).1. Direito agrário - periódico. I. Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaII. Brasil. Ministério da Agricultura. III. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário.IV. Associação Brasileira de Direito Agrário.CDD 340. 05

R EVISTA DEDIREITO AGRÁRIOLUIZ INÁCIO LULA DA SILVAPresidente da RepúblicaMARIA CÉLIA DOS REISPresidente da Associação Brasileira de Direito AgrárioGUILHERME CASSELMinistro de Estado do DesenvolvimentoAgrárioCONSELHO EDITORIALMARCELO CARDONA ROCHASecretário-Executivo do Ministério doDesenvolvimento AgrárioROLF HACKBARTPresidente do Instituto Nacional deColonização e Reforma AgráriaADONIRAN SANCHES PERACISecretário de Agricultura FamiliarADHEMAR LOPES DE ALMEIDASecretário de Reordenamento AgrárioJOSÉ HUMBERTO OLIVEIRASecretário de Desenvolvimento TerritorialCARLOS MÁRIO GUEDES DE GUEDESCoordenador-Geral do Núcleo de EstudosAgrários e Desenvolvimento RuralADRIANA L. LOPESCoordenadora-Executiva do Núcleo deEstudos Agrários e Desenvolvimento RuralVALDEZ ADRIANI FARIASProcurador-Chefe da Procuradoria FederalEspecializada junto ao Instituto Nacional deColonização e Reforma AgráriaMARCELA ALBUQUERQUE MACIELConsultora jurídica do Ministério doDesenvolvimento AgrárioJOAQUIM MODESTO PINTO JÚNIORCoordenador-Geral Agrário, de Processos Judiciaise de Pesquisas Jurídicas - CGAPJP/Conjur/MDAMDA:Titular: Marcela Albuquerque MacielSuplente: Joaquim Modesto Pinto JúniorINCRA:Titular: Valdez Adriani FariasSuplente: Gilda Diniz dos SantosNEAD:Titular: Adriana L. LopesSuplente: Carlos Mário Guedes de GuedesABDA:Titular: Maria Célia dos ReisSuplente: Hélio Roberto Novoa da CostaRENAP:Titular: Cleuton César Ripol de FreitasSuplente: Érika Macedo MoreiraPROFESSORES:Titular: Benedito Ferreira MarquesUniversidade Federal de GoiásSuplente: Domingos Sávio Dresch da SilveiraUniversidade Federal do Rio Grande do SulJornalistasGilson Rodrigues de AfonsecaKelly AmorimRevisãoAna Maria CostaProjeto Gráfico e DiagramaçãoAna Paula Toniazzo AntoniniFoto capa: Ubirajara Machado/MDAMINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA)www.mda.gov.brNÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS E DESENVOLVIMENTORURAL (Nead)www.nead.org.brINSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMAAGRÁRIA (Incra)www.incra.gov.brASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITO AGRÁRIO (ABDA)www.abda.com.brPUBLICAÇÃO EDITADA TRIMESTRALMENTEPCT MDA/IICA – Apoio às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável.REPRODUÇÃO PERMITIDA DESDE QUE CITADA A FONTEDISTRIBUIÇÃO GRATUITADISPONÍVEL NAS PÁGINAS (www.incra.gov.br, www.nead.org.br e www.abda.com.br)Ano 20 - Número 192007

SUMÁRIOEDITORIAL.07ENTREVISTA.11Procurador Federal/Incra/MG - LucianoDias Bicalho Camargos.12RESENHA.23Terra Vermelha.25Domingos PellegriniARTIGOS.27As ocupações e a desapropriação para reforma agrária.29Manoel Lauro Volkmer de CastilhoA questão agrária brasileira e a funcionalidade da propriedadesob uma ótica progressista.49Gladstone Leonel da Silva JúniorNatureza do decreto presidencial que declara área de interessesocial para fins de reforma agrária.67Cid Roberto de Almeida SanchesOposição em possessória incidente em terras públicas federais.81Roberto Élito dos Reis GuimarãesO calvário do § 2º do art. 1.276 do código civil: vida e morte de ummalfadado dispositivo legal a partir de uma interpretaçãoconstitucional.103Cristiano Chaves de FariasDesapropriação por interesse social para fins de reforma agrária: oimpedimento do § 6º, do art. 2º, da lei nº 8.629/93, na redaçãodada pela medida provisória nº 2.183-56/2001, e sua aplicação

na práxis jurisprudencial.123Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti e Luciana de Medeiros FernandesARTIGO MULTIDISCIPLINAR.155Licenciamento e recomposição ambiental em projetosde reforma agrária.157Eliani Maciel LimaJURISPRUDÊNCIA.175Embargos de Divergência em Resp Nº 722.808 - PR(2005/0185423-3).177Ministra Eliana CalmonPRODUÇÃO NORMATIVA.207Lei Nº 4.947, de 06 de abril de 1966 (Histórica).209Instrução Normativa/Incra/ Nº 32, de 17 de maio de 2006.218Instrução Normativa/Incra/ Nº 33, de 23 de maio de 2006.228Norma de Execução/Incra/SD/Nº 35, de 25 de março de 2004.239NORMAS DE PUBLICAÇÃO.249

EDITORIAL

EDITORIALAo registrar e divulgar diferentes produções, pensamentos e visões nasvariadas seções que se seguem, acreditamos continuar contribuindo para acapacitação e atualização dos profissionais que atuam neste ramo das CiênciasJurídicas e que têm na Revista de Direito Agrário uma importante ferramenta parasubsidiar seu trabalho.Entretanto, é importante destacar que além da utilidade prática para odia-a-dia dos operadores do Direito, a Revista de Direito Agrário se propõe aestimular o debate de idéias entre os diversos estratos sociais envolvidos coma questão, dedicando espaço inclusive para abordagens transdisciplinares oumultidisciplinares, e a ser fonte de informação sobre o que está em discussãoneste ramo do direito.O desenvolvimento teórico do direito agrário não poderia deixar de seracompanhado pelo paulatino e crescente interesse dos jusagraristas brasileiros –notadamente da advocacia pública especializada –, de modo a realizar a necessáriae fundamental conexão entre a teoria do Direito Agrário e a prática da atividadeque exercem.A Revista de Direito Agrário busca, desse modo, servir de importante fontede subsídios à interpretação da norma jurídica agrária, na perspectiva de subsidiara comunidade jurídica agrária com idéias e pensamentos que incrementemessa atividade. Tal objetivo é dos mais árduos, daí a necessidade de constanteaperfeiçoamento. Desta forma, não é demais frisar que o fim último da publicaçãoda Revista é antes de tudo impulsionar o Direito Agrário no país.Dentro desta perspectiva, esta edição dá especial destaque à pessoa e àprodução jurídica do procurador federal da Procuradoria Federal Especializadado Incra em Minas Gerais, Dr. Luciano Dias Bicalho Camargos, cuja atuação emprol da autarquia, embasada no seu exímio conhecimento em Direito Tributário,reverteu decisões judiciais anteriores que retiravam do Incra montante considerávelde recursos provindos de uma contribuição fiscal que equivocadamente havia sidoconsiderada extinta.

Para aprofundar a discussão levantada pelo procurador Luciano, esta ediçãodedica a ele o espaço da Entrevista e, na seção de Jurisprudência, traz a íntegra dodocumento “Embargos de Divergência em Resp Nº 722.808 – PR (2005/01854233)”, com a ementa, o acórdão, o relatório, o voto da relatora - a ministra ElianaCalmon e as conclusões.Entre os temas tratados nesta edição, constam trabalhos sobre limitações naaplicação da Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, que vetou a açãodo Incra em propriedades ocupadas e um artigo dedicado à questão das ocupações,com enfoque na atuação histórica e política dos movimentos sociais. Entre outrascontribuições, esta edição apresenta em seu artigo multidisciplinar uma análisesobre o licenciamento e recomposição ambiental em projetos de assentamento.Para encerrar esta curta apresentação, transcrevemos uma fala do procuradorLuciano Dias Bicalho Camargos, que a nosso ver, retrata também nossa intençãode divulgar o conhecimento na temática de que se ocupa a Revista:“(.) a advocacia pública pode e deve ser proativa. Nós podemos contribuire auxiliar o Poder Judiciário na análise de questões que, por sua especificidade,demandam um estudo mais profundo com maiores esclarecimentos e subsídiospara que o julgador possa firmar seu entendimento.”Boa leitura!Brasília, 2007.Conselho Editorial

ENTREVISTA

“O sistema tributário brasileiro deve serinstrumento de construção de uma cidadania plena ede redução das desigualdades sociais e regionais.”O procurador federal Luciano Dias Bicalho Camargos

PERFILINFORMAÇÕES PESSOAISNOME COMPLETOLuciano Dias Bicalho CamargosDATA DE NASCIMENTO07/09/1972LOCAL DE NASCIMENTOBelo Horizonte – MGESTADO CIVILCasadoIDIOMASInglêsORIGEMServiço PúblicoÁREA DE ATUAÇÃOProcurador federal e professorÁREA DE ESPECIALIZAÇÃODireito TributárioREPRESENTAÇÃOEntidades de classeOrdem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais – Comissão doExame de OrdemAssociação Brasileira de Direito Tributário – ABRADTFiliação partidáriaNunca teve

14Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.RESUMO DA CARREIRANo serviço público Procurador federal do Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária (1997 aos dias atuais)Magistério Faculdade de Engenharia de Minas Gerais (1998 aos dias atuais); Centro Universitário de Belo Horizonte (1999 aos dias atuais); Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica deMinas Gerais (2002 aos dias atuais); Centro de Estudos na Área Jurídica Federal (2002 aos dias atuais);INFORMAÇÕES ACADÊMICASGraduação Direito, pela Universidade Federal de Minas GeraisTurma: 1996Pós-graduação Mestrado em Direito Tributário, pela Universidade Federal de MinasGerais. Conclusão: 2001 Doutorado em Direito Tributário, pela Universidade Federal de MinasGerais. Conclusão: 2005Principais obras O Imposto Territorial Rural, 2001 Da Natureza Jurídica das Contribuições para o Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária – Incra, 2006

ENTREVISTALuciano Dias Bicalho CamargosPorMarília de Oliveira MoraisConte-nos um pouco sobre sua relação com a carreira de procuradorFederal e com a Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra, ondetem atuado por todos esses anos.Graduei-me em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e ingressei,em 1997, mediante concurso, na carreira de Procurador Autárquico do InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária em Minas Gerais. Desde então atuona Procuradoria do Incra, concentrando-me nas áreas agrária e tributária.O senhor tem conseguido conciliar, de forma exemplar, a vida acadêmicae a profissional. Como tem sido a árdua tarefa de desempenhar esses doispapéis ao mesmo tempo?Na verdade, pude, dentro da Procuradoria do Incra, encontrar suporte eapoio para me dedicar aos estudos na área do Direito Tributário. Finalizei, em 2001,meu mestrado em Direito Tributário na Universidade Federal de Minas Gerais,abordando o tema do Imposto Territorial Rural e Função Social da Propriedade.Após, em 2005, terminei o doutorado em Direito Tributário, abordando o temada natureza jurídica das contribuições para o Incra, sempre sob a orientação daprofessora Misabel Abreu Machado Derzi. Dessa forma, desde a escolha dos temase o seu desenvolvimento, consegui vincular meu trabalho acadêmico com minhaexperiência e atuação no Incra.Sem dúvida. A propósito. a postura do estudioso não é a mesma de umprocurador. no âmbito acadêmico, mesmo nas ciências sociais, ainda se

fala na busca pela “imparcialidade” ou “neutralidade” do pesquisador.Qual sua visão sobre essa contraposição? Até que ponto o professor eestudioso faz-se presente no seu dia-a-dia na Procuradoria FederalEspecializada junto ao Incra e vice-versa?Sempre procurei, ao tratar dos temas que abordei nos estudos de mestradoe doutorado, fazê-lo de forma correta e científica. Acredito que consegui,mantendo a necessária separação entre o trabalho de procurador e de estudiosode temas acadêmicos.Sabemos que a questão agrária entrelaça-se com a vida de todos oscidadãos. Este é um ponto que tem se mostrado bastante presente nassuas produções acadêmicas. Poderíamos dizer, então, que o SistemaTributário e a reforma agrária podem (e devem) estar interligados?Certamente. Os entes tributantes podem e devem reconhecer e utilizar aextrafiscalidade da tributação para interferir na realidade social e direcionar asociedade para uma postura mais consentânea com os princípios constitucionais,como a redução das desigualdades regionais e a função social da propriedade.Não pode o Poder Público prescindir desta atuação. O sistema tributário não visasomente a arrecadação, mas sim, deve ser utilizado como importante instrumentode atuação do Estado no domínio econômico, sempre tendo em vista os princípiosretores da Constituição Federal.O senhor tem demonstrado que o Imposto Territorial Rural poderia ser uminstrumento importante para a política agrária, ao lado da desapropriaçãopropriamente dita1. Como se daria o uso desse imposto, na modificaçãoda estrutura fundiária brasileira?O constituinte de 1988 é claro ao atribuir ao Imposto Territorial Rural afunção de direcionar o cidadão à observância da função social da propriedaderural e portanto, de dar-lhe a devida destinação. Vê-se, portanto, que o ImpostoTerritorial Rural pode e deve ser, um instrumento de extrafiscalidade. Deverá serutilizado, não só para fins meramente fiscais ou arrecadatórios, assim como parafins ordinatórios. Com este objetivo, as alíquotas do Imposto Territorial Ruralvariam de acordo com o tamanho e ocupação do imóvel, de modo a incidir de1 CAMARGOS, Luciano Dias Bicalho. O imposto Territorial rural e a função social da propriedade. BeloHorizonte: Del Rey, 2001.

Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.17forma mais gravosa sobre aqueles proprietários que não utilizem sua propriedadede acordo com os anseios da sociedade. A progressividade extrafiscal do ImpostoTerritorial Rural é, por conseguinte, um dos instrumentos criados pela Constituiçãopara fazer atuar o princípio da função social da propriedade.O que falta para tornar esse instrumento efetivo para a reforma agráriaem nosso país?De fato, a utilização do Imposto Territorial Rural como instrumento paraa consecução da função social da propriedade rural não tem merecido a devidaatenção por parte dos doutrinadores e legisladores pátrios. O Imposto TerritorialRural deveria ser um instrumento de modificação da estrutura fundiária brasileira.Contudo, a sua aplicação na realidade não tem resultado em alterações visíveisem nossa estrutura fundiária anacrônica. A União, que tem a incumbênciaconstitucional de promover a arrecadação do Imposto Territorial Rural e a reformaagrária, não o utiliza de forma correta. A preocupação atual é com o aumentoda arrecadação de tributos. Historicamente, o Imposto Territorial Rural não seconstitui em fonte de recursos expressiva. O governo relega, assim, a um segundoplano, a preocupação com a cobrança e fiscalização do Imposto Territorial Rurale se concentra na cobrança de tributos com maior potencial de arrecadaçãocomo a CPMF, a Cofins e o IR. Esta postura governamental omissiva somentefaz perpetuar a estrutura fundiária brasileira impondo, a este mesmo governo, anecessidade de intervir diretamente nesta questão por meio das desapropriaçõespara fins de reforma agrária.Não sei se o senhor concorda comigo, mas parece que grande parte dadoutrina tributária existente no Brasil desenvolve análise teórica voltadaapenas para a proteção ao contribuinte, para as limitações constitucionaisao poder de tributar. Fica um pouco “esquecida”, digamos, a tributação,enquanto “ferramenta” transformadora, no enfoque que o senhor temdesenvolvido. Prevaleceria então na nossa doutrina uma visão “privatista”do Sistema Tributário?Realmente. Creio que a maioria dos autores, até mesmo em face da crescentecarga tributária, se preocupe mais com a abordagem de temas relacionados àslimitações ao poder de tributar. Poucos são os autores que se dedicam à analise datributação como instrumento de consecução dos princípios constitucionais, taiscomo a função social da propriedade. Por outro lado, com a crescente ampliação do

18Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.estudo das contribuições de intervenção no domínio econômico, esta lacuna vemdiminuindo. Creio que cabe à advocacia pública, pródiga em grandes estudiosos dodireito tributário, se fazer ouvir, com trabalhos científicos em defesa de teses comas quais concordemos.Em sua obra mais recente2 o senhor trata, de forma aprofundada, dacontribuição destinada ao Incra. Apesar de haver um número considerávelde ações judiciais pertinentes a essa contribuição, não havia, até omomento, nenhum estudo aprofundado sobre o tema. A que se deveriaessa “lacuna” na doutrina?Trata-se de uma contribuição muito antiga, com tortuosa evolução legislativa,o que, no meu sentir, dificultava a sua análise de forma mais cuidadosa. Digo quefoi uma grande surpresa, quando ingressei no Incra, saber que havia dentro doâmbito da procuradoria do Incra um tema tributário tão interessante e, ao mesmotempo, tão pouco estudado. Havia uma confusão entre o Funrural e a contribuiçãopara o Incra, que são contribuições distintas, com finalidades distintas e que têmcomo único ponto de contato a sua origem. Por outro lado, somente recentemente adoutrina nacional iniciou um trabalho mais cuidadoso de análise das contribuiçõese de suas espécies, o que explica a relativa ausência de estudos acerca do tema.Realmente, a evolução legislativa da contribuição destinada ao Incra ébastante tortuosa e a jurisprudência sobre o tema foi oscilante durantelongo tempo. Poderia nos contextualizar, apontando os posicionamentosdos tribunais superiores a respeito dessa questão?Dois são os questionamentos básicos apresentados em juízo: se devem asempresas urbanas pagar a contribuição para o Incra e se estaria ela revogada pelasLeis no 7.787/89 e/ou 8.212/91. O Supremo Tribunal Federal já pacificou a questãoconstitucional, afirmando, de forma clara, que nenhum óbice há a cobrança dacontribuição do Incra das empresas urbanas. Resta claro que a referibilidadedesta contribuição é indireta, já que os valores arrecadados são utilizados peloIncra em suas funções. Com efeito, a exação em tela é destinada a fomentar aatividade agropecuária, promovendo a fixação do homem no campo e reduzindoas desigualdades na distribuição fundiária. Conseqüentemente, reduz-se o êxodorural e grande parte dos problemas urbanos dele decorrentes. Não pode ser negado2 CAMARGOS, Luciano Dias Bicalho. Da natureza jurídica das contribuições para o Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária – Incra. São Paulo: MP Editora, 2006

Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.19que a política nacional de reforma agrária é instrumento de intervenção no domínioeconômico, uma vez que objetiva a erradicação da miséria, segundo o preceituado no§ 1o do art. 1o da Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra. Dessa forma, a referibilidade dascontribuições devidas ao Incra é indireta, beneficiando, de forma mediata, o sujeitopassivo submetido a essa responsabilidade. Caracterizadas fundamentalmente pelafinalidade a que se prestam e pela circunstância intermediária que as legitimam, ascontribuições de intervenção na atividade econômica, conforme já consagrado pelajurisprudência, não exigem vinculação direta do contribuinte ou a possibilidadede auferir benefícios com a aplicação de recursos arrecadados. A evolução doposicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre as contribuições devidasao Incra é longa e tortuosa e recentemente sofreu profunda alteração. O doutoTribunal reconheceu, recentemente, que as contribuições para o Incra e para oFunrural são distintas, com finalidades distintas e, especialmente, com naturezatributária distinta. Todas as decisões emanadas, até o precedente fixado nosEmbargos de Divergência em RESP n. 770.451 - SC (2005/0181717-5), do STJ,fossem favoráveis ou contrárias à exigência das contribuições do Incra, partiamde um só pressuposto: as contribuições devidas ao Incra teriam natureza decontribuição previdenciária. Ora, desde sua vinculação aos órgãos responsáveis pelareforma agrária no País, deixaram de ter as mencionadas contribuições, quaisquercaracterísticas previdenciárias ou de seguridade social, uma vez que tais órgãos jamaisexerceram funções previdenciárias, aqui caracterizadas como aquelas destinadas aassegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivode incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço,encargos familiares e prisão ou morte daqueles que dependiam economicamente.Dessa forma, a jurisprudência se erigiu sobre um pressuposto teórico equivocado,maculando as decisões de forma insuperável. Basicamente, cinco razões de decidir,até o EREsp n. 770.451 – SC, já foram adotadas pelo Superior Tribunal de Justiçaquando confrontado com a análise das contribuições para o Incra: primeiro, de quenão estaria sujeita à contribuição empresa estranha ao âmbito produtivo rural;segundo que a contribuição seria previdenciária, mas não teria sido revogada pelaLei n. 7.787/89; terceiro, que a contribuição seria inconstitucional, por ocorrersuperposição contributiva; quarto, que a contribuição teria sido extinta pela Lei n.8.212/91; e quinto, que a contribuição teria sido extinta pela Lei n. 7.787/89.Mas então, com a classificação da contribuição como de intervenção nodomínio econômico, teriam caído por terra essas questões, não é?Sim, com certeza. Todos esses entendimentos somente fazem sentido quando

20Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.vinculados à classificação das contribuições em comento como previdenciária,o que é equivocado. A Primeira Seção do STJ voltou a analisar a questão nosmencionados Embargos de Divergência em EREsp n. 770.451 - SC, ensejandouma profunda mudança no entendimento do tribunal. Nos votos vencedores dosministros Castro Meira, Eliana Calmon, Luiz Fux e João Otávio de Noronha ficaclara a conclusão de que a contribuição para o Incra tem natureza de contribuição deintervenção no domínio econômico e que, portanto, não poderia ter sido revogadopela Lei n. 7.787. O entendimento enquadra a contribuição de 0,2% destinada aoIncra como contribuição de intervenção no domínio econômico, que tem porfinalidade princípios elencados pelo art. 170 da Constituição Federal, dentre osquais se destacam a função social da propriedade e a redução das desigualdadesregionais e sociais (art. 170, III e VII). Por outra parte demonstra, a partir daevolução legislativa, que a contribuição destinada ao Incra não possui destinaçãoprevidenciária e não foi revogada. Afinal, não tendo natureza previdenciária,não poderia a referida contribuição ter sido revogada, até mesmo “tacitamente”,pela lei n. 7.787/89 ou pela n. 8.212/91. Dessa forma, a contribuição para o Incranão foi revogada por nenhuma outra lei específica, tendo sido recepcionada pelaconstituição de 1988, como contribuição de intervenção no domínio econômico emantida pela legislação subseqüente.O STJ então mudou diametralmente sua posição. hoje está pacificado,portanto, que a contribuição destinada ao Incra não foi extinta. Mas, equanto ao outro questionamento: essa contribuição poderia ser cobrada,mesmo das empresas urbanas?Sim, como dito, fixada a natureza jurídica da contribuição como deintervenção no domínio econômico, nenhum óbice há à sua cobrança de empresasurbanas ou rurais, esse ponto já é pacífico no Supremo Tribunal Federal. Por outrolado, não tendo natureza previdenciária, não poderia a referida contribuição tersido revogada, até mesmo “tacitamente”, pela lei n. 7.787/89 ou pela n. 8.212/91,de cunho absolutamente previdenciário.O senhor já defendia que a contribuição destinada ao Incra tem naturezade contribuição de intervenção do Estado sobre o domínio econômico.Inclusive, esse é um dos pontos abordados no trabalho com o qual obteveo grau de doutor em Direito Tributário pela UFMG. Como é ver, hoje, essatese refletida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça? O senhoresperava que tivesse esse alcance?

Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.21Digo que me sinto orgulhoso, mas não posso deixar de registrar que omeu trabalho foi de copilar e sistematizar estudos esparsos que existiam dentroda Procuradoria do Incra e do INSS acerca do tema, que foram absolutamenteessenciais. Além disso, parece-me importante registrar que a tese defendida naUFMG teve como pano de fundo, a análise da natureza jurídica da contribuiçãopara o Incra, mas teve como principal aspecto a propositura de uma nova estruturada norma de incidência tributária das contribuições de intervenção no domínioeconômico, com a inclusão de uma circunstância intermediária de validade, qualseja a efetiva utilização dos recursos para as finalidades para as quais a contribuiçãofoi criada.Nessa mudança de perspectiva do Superior Tribunal de Justiça sabemosque houve uma importante atuação da Procuradoria Geral Federal e daProcuradoria do Incra inclusive com a criação de uma comissão, da qualo senhor fez parte e tive o prazer de coordenar as atividades. Conte-nosum pouco como foi esse processo, de que forma o grupo contribuiu nessaevolução da jurisprudência?Sim, a Procuradora Geral Federal à época constituiu uma comissão paraestudar e atuar nesta questão, uma vez que a jurisprudência do STJ vinha se firmandocontrariamente aos interesses do Incra e, no nosso entendimento, sob premissasequivocadas. Esta comissão foi operacionalizada pela Procuradoria Geral do Incra,com o apoio irrestrito do procurador-chefe, Valdez Adriani Farias e coordenada porti, sendo composta por mim, pela procuradora do Incra, Maria de Lurdes FreitasDressler e pelo procurador do INSS e da coordenação tributária da PGF, GilbertoBatista dos Santos. Nosso trabalho foi primeiramente, de fixação da tese a serdefendida e posteriormente, um trabalho de convencimento dos ministros do STJ,com apresentação de memoriais, visitas aos gabinetes e sustentação oral perantea Primeira Seção do STJ. Após todo o trabalho de convencimento, pudemos verprevalecer a tese defendida pelo Incra.Voltando um pouco à sua carreira. até mesmo considerando essestrabalhos desenvolvidos, com a distribuição de memoriais e sustentaçãooral no STJ, como o senhor vê, hoje, a inter-relação institucional entrea Advocacia Pública e o Poder Judiciário? É importante que haja umaatuação mais incisiva, mais combativa, por parte do advogado público?Certamente. O trabalho desenvolvido pela comissão foi muito gratificante,

22Revista de Direito Agrário, MDA Incra Nead ABDA, Ano 20, n 19, 2007.demonstrando que a advocacia pública pode e deve ser proativa, e que nóspodemos contribuir e auxiliar o Poder Judiciário na análise de questões que, por suaespecificidade, demandam um estudo mais profundo com maiores esclarecimentose subsídios para que o julgador possa firmar seu entendimento.E as perspectivas futuras? Quais são seus projetos no momento? Darácontinuidade aos estudos na área de Direito Tributário, pretendeaventurar-se em outras áreas?.Bem, pretendo continuar aprofundando meus estudos sobre o DireitoTributário já que há vários temas que me são caros, especialmente a análise datributação como instrumento extrafiscal, para que possamos ter no Brasil umacidadania plena.

RESENHA

TERRA VERMELHADOMINGOS PELLEGRINITerra Vermelha é um romance assumidamente épico,que narra a história de um casal, José e Tiana, e a colonizaçãode uma região do Brasil, o norte do Paraná, formando umpainel social e histórico de grandes dimensões, em 511páginas e meio século de ação narrativa.O norte do Paraná foi uma das últimas regiões doBrasil a ser colonizada, por imigrantes de todo o mundo,num total de mais de 30 nações, entre elas a Alemanha.Como as terras eram oferecidas em pequenos lotes, compagamento parcelado, houve um acesso democratizado àspropriedades, gerando uma civilização multirracial, convivente e tolerante, que setornou exemplo para o mundo.José e Tiana são o eixo que interliga passagens históricas dessa colonização, commuitos lances

Revista de Direito Agrário / Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. – Ano 1 nº 1 (2º trimestre de 1973)- – Brasília: Incra, 1973-Trimestral até 1980. Semestral a partir de 1981. Trimestral a partir de 2006. A partir de

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direito creditório entre os romanos, Rio de Janeiro, Tipografia Besnard Frères, 1916, 39 p. _, Estudos de Direito Romano. Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 1916. 2v. ALMEIDA (Estevam de - ), Qual o valor do