TRIVIAL SIMPLES - Instituto Estadual De Artes Cênicas .

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TRIVIALSIMPLESTexto de Nelson Xavier

PERSONAGENSOscarEmaPRIMEIRA JORNADAOscar entra em casa, de volta do trabalho, como todosos dias, com um jornal e muita preocupação. Ema,como todos os dias, está fazendo alguma tarefacaseira, como arrumações e preparo da mesa. Otelevisor estará sempre ligado.EMA (Nervosa) – Cê veio por este lado ou pelo lado de lá?OSCAR – Vim pelo lado de sempre.EMA – Cê viu?OSCAR – O quê?EMA – Que homem mais desligado!OSCAR – Viu o quê?EMA – Misericórdia! Não sentiu, não viu nada?OSCAR – Vi tudo o que costumo ver, se deseja uma respostafilosoficamente precisa.EMA – Cego! No teu nariz! (Oscar apalpa o nariz.) Não é aí, é novizinho! Como é que você não percebeu?OSCAR – Pombas, fala de uma vez.

EMA – Vieram aí.OSCAR – Quem?EMA – Ora, quem.OSCAR – E quem é quem?EMA – Aí do lado, Oscar, do lado de nossa casa (Oscar entende efica apavorado.). Calma, já foram embora.OSCAR (Dá um safanão em Ema, que cai e se levanta dolorida)– Outra vez que me der susto de graça, vai pegar de chicote!EMA – Queria saber se ainda tem cheiro. (Cheira o ar.) Sente, é!OSCAR – É da tua cabeça. Cheiro de queimado.EMA – Cê nunca percebe nada.OSCAR – Não ando atrás de vizinho. Só penso na minha vida.EMA – Vieram aí e entraram naquela base.OSCAR – Não me conta mais nada senão eu pego o chicote! Cadêmeu uísque?EMA – Deixa de frescura e escuta.OSCAR (Fala soprado, cuidadoso) – Tá tudo bem fechado?EMA – Não disseram nem bom dia.OSCAR – Não me conta mais nada.EMA – O filho mais velho, aquele que entrou pra faculdade, tá deespinha quebrada.OSCAR – Não me conta mais nada.EMA – A menina, levaram.OSCAR – Pára!EMA – A mãe, coitada, já falou com Deus e todo o mundo, nem acartomante sabe onde ela está. Falar com Deus, então, foi umadificuldade.

OSCAR – Quer uma porrada?EMA – Tenho medo, Oscar.OSCAR – Eu vou contar até dez. Se eu não tiver um uísque namão. (Ema enxuga as lágrimas, enquanto Oscar conta.) Um,dois, três, quatro. (No cinco, Ema corre para apanhar o uísque eservir.) Assunto encerrado, certo?EMA – Eles são como nós, iguaizinhos.OSCAR – Vai nessa.EMA – A gente tá vendo.OSCAR – Vendo o quê?EMA - Tudo.OSCAR – Tudo o quê, hein? Tudo o quê? (Ema não responde.)Fechou o bico? Entendeu, né? Você não conhece as circunstânciasdo fato, logo, não pode opinar sobre o fato. Certo? Certo? Tôesperando.EMA – Certo.OSCAR – Tá mais tranqüila?EMA – Pouquinho.OSCAR – Porque quando você adota uma posição imparcial, vocênão está de nenhum lado. Tranqüilo. Virtus in medio. Certo?EMA – Certo.OSCAR (Abraça e aconchega Ema) – Tá melhorzinha?EMA – É. Tô.OSCAR – Já tomou o choque este mês?EMA – Perdi o cartão.OSCAR – Sabia. Vou tirar uma segunda via e você vai amanhãmesmo. Qual é seu dia?

EMA – Quatorze.OSCAR – Tô dizendo. Quer um uisquinho?EMA – Cê deixa?OSCAR (Vai servir Ema) – É por isso que nós constituímos anossa classe. Certo? Tô esperando.EMA (Ela se serve e bebe) – Certo.OSCAR – Porque eu sou de classe, entende? Autêntico. E tenho féno futuro de minha classe. Viva a democracia! Certo? Tôesperando!EMA – Certo.OSCAR – Só?EMA – Viva a democracia.OSCAR (Aprova com a cabeça) – Cê gosta de mim?EMA – Cê sabe que eu te amo. Se não fosse você. (Ficamfazendo uma pose que é entre uma pose para a platéia,propriamente, como se fossem tirar uma fotografia, e um jeitode se fazerem carinho, de brincarem um com o outro. Sorrindo.E olhando para o lado do público. A pose deve ser bemdemorada para que o público se lembre dela no final.).OSCAR – Nunca na vida eu gostei de ninguém como de você, nemde mamãe.EMA – Ah. Vamos? (Ela se enrosca em Oscar comsensualidade. Ele adere como cúmplice do jogo.).OSCAR – Não. Não. não começa.EMA – Cê prometeu.OSCAR – Isso foi ontem.EMA – Promessa é promessa.OSCAR – Mas agora, não.

EMA – Quando é do teu jeito eu nunca digo não.OSCAR – Diz sim, vive dizendo.EMA – Olha pra mim, queridinho. (Ema vai tirando a roupa,lentamente, provocando Oscar, gemendo e chamando,enquanto ele resiste, evita olhar.) Tô precisando, fiquei tãonervosa.!OSCAR – Não adianta insistir. Hoje não me sinto bem.EMA – Olha pra mim, olha!OSCAR – Já disse Ema. Não me provoca que eu não gosto. Eu ficoputo da vida quando você começa a fazer isso.EMA – Vem. Vem.OSCAR – Isso é imoral, Ema! Eu já disse que não tolero essapouca vergonha aqui em casa.EMA (Ela continua a tirar a roupa e dançar) – Vem. Vem.OSCAR – Você é um verdadeiro animal, Ema. Escrava dosinstintos. Eu não. Eu tenho domínio sobre as minhas baixezas, viu?Sou um homem, tenho um espírito, viu? Baixezas. Porque você ébaixa, Ema, você gosta do que é imundo.EMA – Vem.OSCAR (Excitando-se cada vez mais) – Gente como você temque apanhar muito, muito! Para aprender. E, se você não parar, euvou te ensinar. (Com essa ameaça, Ema parece mais animada eredobra os gemidos e as poses.) Pára, sua nojenta! Cadela! Vocênão passa de uma cadela, Ema! Pára! Eu vou pegar o chicote, euvou pegar. (Ema aumenta os gemidos. Oscar sai à procura dochicote.) Não quer parar, né? Não? (Acha o chicote. Volta-separa ela.).EMA – Não, meu queridinho, não!OSCAR – Não me chama de queridinho. Agora quero ver! (Oscarcomeça a se despir, também. Ema ficou de calcinha e soutien,

ele de meia e cueca. Usa o chicote, como um domador,estalando-o no ar. Oscar persegue Ema soltando relinchosintensos, lúbricos. Realizam uma espécie de dança animalesca.Ema foge e geme. Os dois têm grande prazer na dança.) Voumatar essa cadela que você tem dentro.EMA – Não, por favor, queridinho, não.OSCAR – É. Agora quero ver. Solta!.EMA – Não, por favor.OSCAR – Quero ver, sim. Gane!EMA – Não, Oscar!OSCAR – Gane, quero ver. Gane!.EMA – Não, hoje não. Hoje não tenho força.OSCAR – Gane: tô mandando!.EMA – Não dá. Não tenho. (Ema tenta, algumas vezes, ganir.Consegue, com dificuldade aparente.).OSCAR – Gane cadela! Vamos. baixinho!EMA – Não sei.OSCAR – Sabe. Quero ver ganido, ganido, sua cadela! Baixinho,começa baixinho. (As falas se cruzam sem ordem, nocrescendo da perseguição.).EMA – Não, não, desta vez me perdoa. Eu não consigo.OSCAR – Quero. Quero, estou mandando!EMA – Não dá!OSCAR – Não tem perdão nem menos perdão! Vai ganir muito,muito, muito, muito. Gane!EMA – Perdão!.OSCAR – Falei ‘começa baixinho’. (Ema gane cada vez maisalto, mas Oscar comanda-a e é obedecido com malícia e falsa

recusa.) Assim. mais baixinho. Assim. assim. assim. cadela.Cadela. cadela! Agora vai subindo. devagar. (Ema eleva ovolume e vai se empolgando, enquanto Oscar comanda eresponde aos ganidos com relinchos intensos e longos,mantendo sempre o chicote no ar.) De joelhos!EMA – Não! Não, não. De joelhos, não. Dói, dói. dói.OSCAR – Já! De joelhos!EMA – Assim, não, Oscar. Por favor, de joelhos, não. (Ema vai-sepondo de joelhos.).OSCAR – Não pára de ganir! Gane! Ganindo, ganindo.EMA – Mas não me bate.OSCAR – Ganindo!EMA – Não me bate, mas não.OSCAR – Ganindo, eu disse.EMA – Não me bate, não bate.OSCAR – Bato, bato, mas não já. Não agora. Bato, senão.EMA – Não!.OSCAR – Bato. bato muito! Forte. Não pára.EMA – Não me bate.OSCAR – Então gane!EMA – Não, não, não.OSCAR – Gane cadela! Quero ver o ganido. forte. Agora forte.EMA – Não me bate.OSCAR – Ganido, cadela! (Ema passou a gritar, em vez de ganir,mas Oscar não percebe mais a diferença.).EMA – Não me bate.OSCAR – Então gane, cadela! Cadela! Cadela! Cadela!

EMA – Não bate, não bate, não bate, não bate.OSCAR – Cadela!EMA – Não bate! (Estão no momento mais intenso daperseguição. Os dois gritando e ofegando de prazer, quando seouve um gemido triste e agudo, longo, vindo do interior dacasa. Ambos param, imediatamente, e se encolhem culpados,repentinamente lúcidos. Vestem-se, rapidamente. Comportamse como crianças de dez anos.).OSCAR – Foi você que deixou ele sem mamadeira.EMA (O gemido continua sem ser socorrido e Ema, sentindo-secolhida em pecado, chora) – Não fui eu, não fui eu.OSCAR – Foi sim, foi sim, foi sim. Eu sempre digo para dar amamadeira antes.EMA – Eu não tenho culpa, eu não tenho culpa.OSCAR – Tem sim. A culpa é tua. Toda tua. Já disse mil vezes queé para dar a mamadeira sempre antes de a gente brincar.EMA – Também, foi você quem gritou muito. Se gritar muito alto,ele ouve: você sabe!OSCAR – A mãe é você. Você é que tem que cuidar, porra!EMA – E você, por que não arranja uma casa maior pra gentepoder trepar sossegado, sem perturbar ninguém?OSCAR – Não joga pra cima de mim, não!EMA – Mas é ou não é? (Os gemidos aumentam de um modoinsuportável.).OSCAR – Vai acudir, sua estúpida. Vai logo, antes que acorde aoutra, também.EMA – Antes eu quero saber quando eu vou poder acabar como eugosto, hein?

OSCAR – Quando sair a nomeação. (Imediatamente começa a seouvir outro queixume, junto com o gemido. É uma espécie demugido, fraco, indeciso, mas insistente. Ema faz um gestoespalhafatoso, de desânimo.).EMA – Ser mãe! Ah, eu não agüento! Eu tenho que acabar!Amanhã, sem falta, eu tenho que acabar, como eu gosto!OSCAR (Como Ema espera pela resposta, Oscar consente) – Tábom. Amanhã a gente tenta de novo. (Ema sai. Oscar termina dese vestir completamente.).EMA (De fora) – Vem me ajudar, senão ele me morde! (Oscar fogepara a rua, pé ante pé.).SEGUNDA JORNADAOscar volta do trabalho, como na Primeira Jornada,com jornal, etc. Ema está a sua espera. Cumprimentamse com carinho.EMA – Então, como foi?OSCAR – O quê?EMA – O dia.OSCAR – Que dia?EMA – O dia de hoje.OSCAR – Como todo o dia.EMA – Hoje não todo o dia, queridinho.OSCAR – Tô cansado, Ema.EMA – Responde Oscar.

OSCAR – Responder o quê? Não tá ouvindo eu dizer que tôcansado?EMA – Não sou surda.OSCAR – Então faz tua obrigação.EMA – Primeiro diz.OSCAR – Vai desobedecer?EMA – Já sei.OSCAR – Cala a boca.EMA – Tá com medo que eu fale? Te conheço.OSCAR – Ema! Quem você pensa que eu sou?EMA – Você é um boboca que perdeu a nomeação!OSCAR – Como é que cê sabe?EMA – Tá na cara!OSCAR – Eu não queria te aborrecer.EMA – Puta que pariu, hein?OSCAR – Ema!EMA – Que é?OSCAR – Engole o palavrão! Engole o palavrão!EMA – Engole o papelete! Cê foi nomeado?OSCAR – Não.EMA – Então!OSCAR – Então o quê?EMA – Engula você! Puta que pariu!OSCAR – Com nomeação ou sem nomeação, minha mulher nãofala palavrão. Se falar, vai levar bofetão.

EMA – Cê tem moral pra proibir coisa nenhuma! Perdeu anomeação e ainda chega em casa com essa cara de bunda semlavar, sem me dar uma única satisfação? Você sabe muito bemcomo eu estava esperando essa nomeação. Ela ia resolver tantacoisa. Eu ia começar a respirar. Andar por onde eu quisesse.(Grita.) Estou cansada de cartão azul! Eu não perdi o meu não. Eurasguei.OSCAR – Pois foi você, sua maluca!EMA – Eu quero um cartão branco! Eu sou uma mulher branca!Puta que pariu, sim senhor!OSCAR – Não abusa da minha autoridade, Ema, não abusa. Agoraque desabafou, vai esquentar o meu banho.EMA – Quero saber como é que foi.OSCAR – Tem nada pra saber. Foi nomeado outro cara, tá selado eenterrado e você vai preparar o meu banho.EMA – O que você fez?OSCAR – Como assim?EMA – Não fez nada?OSCAR – Fazer o quê?EMA – Por que não reclamou? Não fez um escândalo? Não gritou?Por que não fez alguma coisa, Oscar?OSCAR – O que adianta fazer alguma coisa num lugar daqueles?Nunca ninguém é responsável por nada.EMA – Quem assina a nomeação?OSCAR – O chefe.EMA – Mas você não ia ser chefe?OSCAR – Ia.EMA – Então, quem assinou a nomeação do chefe?

OSCAR – Qual deles?EMA – Do teu chefe.OSCAR – O chefe dele.EMA – É o chefe do chefe?OSCAR – Evidente.EMA – E por que você não foi falar com ele?OSCAR – Porque ele não é meu chefe.EMA – Mas foi ele quem nomeou.OSCAR – Nomeou porque o chefe dele mandou.EMA – Então, por que você não foi falar com o chefe dele?OSCAR – Porque antes de falar com ele, tem que falar com o meuchefe.EMA – Esse lugar não era teu por merecimento, antiguidade, porestrela, por fidelidade, por tudo?OSCAR – Era.EMA – E qual chefe ignorou tudo isso?OSCAR – Como é que eu vou saber, pílulas?EMA – Perguntando chefe por chefe, até encontrar uma explicação.OSCAR – Ema: tem uma coisa que você não mete na cabeça. aautoridade. A autoridade é que nomeou o outro cara. Não adiantamexer nessa merda, senão ela vai feder mais ainda!EMA – Não é justo!OSCAR – Mas já está fedido!EMA – Não é não! (Oscar responde com um safanão quederruba Ema. Ela se levanta, conformada, massageando aspartes doloridas.).OSCAR – Entendeu agora?

EMA – Entendi.OSCAR – E tem mais. Não dá pra falar, porque o cara que foinomeado, tá me tratando como se fosse irmão dele, assim ó. todosimpático. Um troço desagradável que você nem queira saber.como um cara muito rico, mas cheio de dinheiro mesmo, nascidoem berço de ouro, que visita favela, sabe como é? Trata o faveladocomo se fosse irmão, como se fosse uma pessoa muitoconsiderada, etc. Quer dizer: é insuportável, porque o faveladonão é irmão, coisa nenhuma, e fica se sentindo mais inferiorizadoainda.EMA – Esse tratamento te humilha, é?OSCAR – Não é isso, sua burra!EMA – Bate nele. Bate. pode ser que ele também não possareagir.OSCAR – Você é uma neurótica. O nomeado era eu, não você.EMA – Isso é outra enfermaria.OSCAR – Tá aí. Foi no mictório. Lá dentro, eu percebi tudo, outrodia. Eu tava balançando, dando a pancadinha do último pingo,quando eu arrisquei o olho pro lado, né?EMA – Pra que, Oscar?OSCAR – Todo o homem faz isso: pra saber se o do vizinho émaior.EMA – Ah!OSCAR – Aí dou com ele me olhando.EMA – É maior?OSCAR – Ele faz isso porque no fundo, ele quer é me diminuir. Porexemplo: me leva pra tomar café e não me deixa pagar. Então falada família.EMA – Ele é casado?

OSCAR – Sei lá.EMA – Bate na mulher?OSCAR – Fala das farras. Me conta tudo. Me bate no ombro. Atéparece que gosta muito de mim. Me trata melhor que os outros.EMA – Mas chefete é chefete, né? Aquela pobreza!OSCAR – Acompanha meu raciocínio! Esse cara quer alguma coisacomigo! (Oscar se despede e sai para a rua.).EMA (Com ar de vingança pega um jornal, previamenteescondido numa caixa de isopor, e começa a ler) – Que bom!Ainda tá quentinho! Ai, meu Deus! E eu sonhei tudo igual! (Lê emvoz alta.) “O primeiro despojo a ser encontrado foi um braçodobrado num galho de árvore. O sargento da equipe de salvamentoesbarrou no braço, pensou que fosse um simples galho. Não sesabe a quem pertence. Deduz-se, contudo, tratar-se do braço depessoa de fino trato, do sexo feminino, pois a mão não tem calos eas unhas são pintadas de cor roxa, da moda. Outros membros docorpo humano foram encontrados posteriormente. O sangue, hádias ressecado, exala seu fedor característico pela mata tropical. Adecomposição torna difícil o trabalho de identificação, mas osbravos rapazes da equipe de salvamento prosseguem em suaheróica tarefa. Os destroços do avião ainda encobrem muitoscadáveres dilacerados pelas engrenagens e a carcaça destroçadado avião sinistrado”. (Dobra o jornal e saboreia o que acabou deler.).TERCEIRA JORNADAOscar chega com jornal. Ema recebe-o com carinho.EMA – Então, como foi?

OSCAR – O quê?EMA – O dia.OSCAR – Que dia?EMA – O de hoje.OSCAR – Como todo o dia.EMA – Ai, meu Deus!OSCAR – Por quê? O teu dia não foi bom?EMA – Haja saco!OSCAR – Haja saco digo eu! Agüentar todos os dias a mesmapergunta!EMA – Eu pergunto pra saber as novidades, ora. Passo a vidatrancada.OSCAR – Que novidade, hein?EMA – Ah, corta essa, Oscar!OSCAR – Mas todo o mundo sabe que acabou a novidade! Onde éque vou buscar pra você? Só se inventar.EMA – Pombas!OSCAR – Ema!EMA – ‘Pombas’ não é palavrão.OSCAR – Mas é de baixo calão. baixo calão!EMA – De baixo das pernas.OSCAR – De baixo das pernas é de baixo calão.EMA – É uma opinião.OSCAR – Chega de rima!EMA – Repressão.OSCAR – Chega de tudo!

EMA – Machão.OSCAR – Ah, sabe? Um dia desses, eu abandono tudo e meentrego à minha verdadeira vocação. Só assim vou me libertardesta rotina asquerosa a que você me escraviza.EMA – Ah, sou eu quem te amarro, é?OSCAR – E não é?EMA – Neurótico!OSCAR – Meu amor por você é neurose?EMA – Teu amor é uma prisão.OSCAR (Arrebatado pela frase de Ema) – Criar é ser livre.EMA – Manda, manda tudo à merda, Oscar. Eu tô do teu lado.OSCAR (Os dois se abraçam, emocionados) – O artista é umhomem. (Oscar busca a palavra, desiste, e dá uma ordem, comrequinte.) Me prepara um banho de assento. sem sal!EMA (Esposa dedicada, carinhosa) – Sem.? Com massagem?OSCAR – Que é que cê acha? Muita massagem!EMA – Azeite? (Pausa.) Vinagre?OSCAR – Só se for do branco.EMA – Oscar.OSCAR – Hummmmmmm.EMA – Já?OSCAR – Já.EMA – Eu te amo, Oscar.OSCAR – Cê sabe que eu sou louco por você, não sabe?EMA (Beijam-se apaixonadamente e ficam namorando umtempo. Ema desperta com algo que percebe na testa de Oscar,um arranhão) – Nossa!

OSCAR – Que foi?EMA – Que foi isso?OSCAR – Isso o quê?EMA – Machucou?OSCAR – Arranhãozinho! (Oscar não sai do clima de namoro.).EMA – Arranhãozão!.OSCAR – Agora passou. passou com esse beijo.EMA – Qual é meu amor, cê anda se machucando por aí?OSCAR – Ah. Foi o chefe.EMA – Mas esse você não disse que te trata bem? (Continuam,sem interrupção, o namoro, as carícias, olhos nos olhos.).OSCAR – Disse.EMA – Então.OSCAR – Então, o quê?EMA – Tratar bem é dar porrada?OSCAR – Eu não te dou porrada?EMA – Dá.OSCAR – Então?EMA – Então, o quê?OSCAR – Cê me ama.EMA – Eu te adoro, mas é diferente.OSCAR – É nada. É que hoje pegou de mau jeito. Ele me deu umaporrada de mão fechada, aqui, mas deu assim. (Oscar demonstrao soco dado por fora, de mão fechada, no rosto.) De modo que aunha do polegar arranhou um pouco aqui. Mas isso acontece.EMA – Com o outro era a mesma coisa.

OSCAR – De jeito nenhum! O velho quando dava era pra marcar.(Aponta um dente incisivo, depois o tórax, etc.) Esse aqui, euperdi foi com o velho, viu? Ah, e lembra as costelas, aquela vez?EMA – É. teve um carnaval que cê não veio pra casa. (Ri.) E eufiquei nervosa, quis me matar.OSCAR – Pois é. que eu fiquei lá, no pau. (Ema ri muito) 48horas no pau. É. Não, mas depois, tem o seguinte: ele me bateudepois, me bateu nas costas, fomos tomar umas caipirinhas,levamos aquele papo. entendeu? Ele me trata bem. Quando elefala comigo, eu sinto. eu me sinto obrigado a responder pra ele, aser simpático, a sorrir pra ele, entendeu? As pessoas são tãomisteriosas, né? Misteriosíssimas! Hoje ele fez questão de pagar,fez questão de me dar o melhor lugar, fez questão de provar seminha batida estava bem preparada, entendeu? Pergunta se euestou bem, se oferece para quebrar qualquer galho, diz que é meuamigo pra tudo, etc.EMA – Esse homem me dá medo, Oscar.OSCAR – Não fala em medo, mulher. Não fala em medo! Cada vezque ele me toca me dá um calafrio, mas um calafrio!.EMA – Então, Oscar!OSCAR – Então, o quê? Imagine o quê o cara me disse hoje.Imagine!EMA – Um horror? Não fala.OSCAR – Que se tudo correr como ele pensa, em pouco tempo eleconsegue uma letra pra mim.EMA – Letra?OSCAR – Letra.EMA – Cartão branco?OSCAR – Promoção pra subchefe.EMA – Você não ia ser chefe?

OSCAR – Mas ia pular o subchefe?EMA – Traz o cara pra jantar aqui, Oscar.OSCAR – Um dia vou ter que trazer, né?EMA – Mas não traz já, não. Eu tenho que ensaiar pra uma pessoaassim, né, Oscar? Faz tanto tempo que eu não vejo ninguém.OSCAR – Sabe? Eu sorrio pra ele.EMA – Você é tão sério.OSCAR – Não, mas aquele negócio. Sorrio porque está olhando.o dia todo. Mas eu não faço com espontaneidade, entendeu?.Porque tudo me dá a sensação de que o cara tá querendo mediminuir. Filho da puta.EMA – Aproveita.OSCAR – Hein?EMA (Intencional) – Fala!OSCAR (Pose para discurso) – Porque eu não pactuo, entendeu?Eu não pactuo!EMA – Isso: pra cima. Olha a respiração!OSCAR – Porque tem uma hora que é basta, entende? Basta!EMA – Divino! Cê tá ótimo hoje! Agora, o arremate.OSCAR (Amolece) – Eu, eu quero dizer o meu não.EMA – Caiu muito, muito, no final. Isso precisa ser.OSCAR – Já sei: viril! Já sei.EMA – Eu canso de dizer: no ensaio, quer dizer, aqui, comigo, nãoprecisa ter medo. Fala que não é verdade.OSCAR – Não

Cheiro de queimado. EMA – Cê nunca percebe nada. OSCAR – Não ando atrás de vizinho. Só penso na minha vida. EMA – Vieram aí e entraram naquela base. OSCAR – Não me conta mais nada senão eu pego o chicote! Cadê meu uísque? EMA – Deixa de frescura e escuta. OSCAR (Fala soprado, cuidadoso) – Tá tudo bem fechado?

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