A VW Do Brasil Durante A Ditadura Militar Brasileira 1964

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A VW do Brasil durante a Ditadura Militarbrasileira 1964-1985Uma abordagem históricaChristopher Kopper

Bielefeld, 30 de outubro de 2017Universidade de BielefeldFaculdade de História,Filosofia e TeologiaA VW do Brasil durante a Ditadura Militarbrasileira 1964-1985Uma abordagem históricaChristopher Kopper

DADOS DA PU B LICAÇÃOO autorProf. Dr. Christopher KopperEditorafor Corporate History Department of Volkswagen AktiengesellschaftDieter en Druck Verlag GmbH, Hildesheim Volkswagen AktiengesellschaftWolfsburg 2017

ÍNDICE1.Prefácio 52.Da constituição da VW do Brasil até o golpe9militar em 31 de março de 19643.A VW do Brasil e o golpe militar em 31 de março de1964174.As relações industriais na VW do Brasil durante a Ditadura Militar235.O desenvolvimento da VW do Brasil durante o MilagreEconômico Brasileiro (1968-1974)356.A VW do Brasil e a perseguição de opositores políticos daDitadura Militar497.A situação salarial e as condições de trabalho naVW do Brasil entre os anos 1960 e 1970618.As greves de 1978, 1979 e 1980679.Transição na crise econômica. A democratização dasrelações industriais na VW do Brasil no inícios dos anos 19808310.A VW do Brasil no papel de latifundiário e as consequênciassociais e ecológicas: O projeto Rio Cristalino9511.Franz Stangl: Um chefe de um campo de concentraçãocomo funcionário da VW do Brasil10512.Conclusões 111

1. Prefácio5

PREFÁCIOO motivo para a contratação do presente estudo foi um evento atual. Em 2014,1um relatório detalhado da Comissão da Verdade no Brasil informou a populaçãoPor exemplo, o Spiegel Online noticioubrasileira sobre violações de direitos humanos e homicídios políticos duranteme 1/11/2015: “A VW pretende analisara ditadura militar. Nesse relatório, a VW do Brasil foi acusada de colaborar comenvolvimentos durante a Ditaduraa polícia política e de discriminar os militantes sindicais. Quando o Ministériobrasileira” (http://www.spiegel.de/Público do Estado de São Paulo (Ministério Público Federal) recebeu, em setembro dewirtschaft/unternehmen/volkswagen-2015, do Fórum dos Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação os e-documentos, iniciando investigações contra a VW do Brasil, essa notícia passouaufarbeiten-a-1060622.html), acessado empelas agências de notícias latinoamericanas e pelos jornalistas alemães, alcançando16/6/2017).1também o público alemão.A Dra. Christine Hohmann-Dennhardt, Diretora de Integridade e Direito, solicitouem novembro de 2016 que essas acusações fossem amplamente investigadas.Apesar da corresponsabilidade da VW do Brasil por violações de direitos humanosser o tema central do presente estudo, a participação em ações de repressão políticadurante a ditadura militar não pode ser analisada isoladamente sem consideraro desenvolvimento econômico da empresa. O estudo aborda ainda a relação daadministração da VW do Brasil e da matriz alemã com a liderança política durantea ditadura como um todo, analisando quais interesses econômicos pessoais,qual ideário colonialista e quais estereótipos políticos e estruturas oportunistaseconômicas foram determinantes para a atitude perante o governo de ditadurae durante esta. Pretendo evidenciar também, como os líderes da VW AG emWolfsburg percebiam o desenvolvimento de sua sucursal brasileira e a partir dequando – e por quê – a diretoria se engajou no desenvolvimento de uma culturaempresarial democrática e participativa na VW do Brasil.6

PREFÁCIO2A VW do Brasil, nos anos 60, tornou-se a maior sociedade estrangeira do grupo VWEsse tema foi analisado na excelente vistae a quinta maior indústria do Brasil. A análise detalhada da história empresarialgeral de Sebastian Brünger, Geschichte undda VW do Brasil pretende mostrar a importância da subsidiária brasileira para oGewissen. Der Umgang deutscher Konzernedesenvolvimento econômico da VW AG. Isso nos leva à pergunta fundamental,mit ihrer NS-Vergangenheit, Göttingense a VW devido à sua posição como empresa muito dinâmica e maior indústria2017. Sobre a atitude dos fabricantes deestrangeira no Brasil pôde gozar de privilégios tributários específicos, das políticasautomóveis alemães perante o regine dede incentivo e da política cambial na teoria de dependência da economia deapartheid da África do Sul existe um artigodesenvolvimento ou se o governo brasileiro, sob o ponto de vista de hoje, conseguiude Knud Andresen (Moralische Ökonomie.manter um alto grau de regulamentação de mercado e controle da aplicação dosBundesdeutsche Automobilunternehmenlucros empresariais.und Apartheid, em: Apartheid und AntiApartheid. Südafrika und Westeuropa,Uma importância especial cabe à questão, se a VW do Brasil não somente obteveZeithistorische Forschungen / Studies invantagens com a política econômica, mas se também tirou proveito das questõesContemporary History 13 (2016), Cadernointernas e da política judiciária da ditadura. A ditadura militar brasileira negou2. Organizado por Knud Andresen edireitos básicos do trabalhador como o direito de greve, substituiu a liberdade dasDetlef Siegfried, página 231-253). Sobrepartes em firmarem acordos coletivos por uma política salarial controlada peloa VW na África do Sul, veja Claudia Nieke,governo e reprimiu o movimento trabalhista organizado até 1978. Estas limitaçõesVolkswagen am Kap. Internationalisierungconsideráveis dos direitos fundamentais sociais e econômicos impactaramund Netzwerk in Südafrika 1950 bis 1966,fortemente o desenvolvimento salarial e as condições de trabalho e de vida dosWolfsburg 2010 ( textos sobre a históriafuncionários.empresarial da Volkswagen, Volume 4),texto esse que, todavia, aborda pouco aO presente estudo é a primeira publicação sobre a atitude de uma empresa alemãrelação da VW com o regime do Apartheid.em uma ditadura da ordem mundial pós-guerra. Enquanto nos últimos 30 anos,foi realizada uma série de estudos empíricos e concepcionalmente bem elaboradossobre empresas alemãs na época do nazismo, o comportamento de empresasalemãs em ditaduras da direita no sul da Europa, na América Latina, Ásia e Áfricaaté o momento quase não foi pesquisado.2Em comparação com a pesquisa extremamente ampla e diversificada, tantotemática como metodológica sobre o nazismo, a pesquisa sobre a ditadura militarbrasileira por ora avançou pouco. Enquanto especialmente os economistasestadunidenses pesquisam sobre o desenvolvimento econômico do Brasil e oscientistas políticos retrataram o desenvolvimento da política de repressão dapolícia, bem como o retorno passo a passo ao Estado de Direito e ao pluralismodesde 1979, a história social do Brasil e o desenvolvimento das empresas durante7

PREFÁCIOa ditadura militar foram pouco pesquisados. Somente a Comissão da Verdade3instaurada no governo da presidente Dilma Rousseff publicou em 2014 uma amplaSobre a tradição dos autos do DEOPS vejavista geral das perseguições políticas e da colaboração de atores governamentais eMaria Aparecida de Aquino et al., O dissecarnão governamentais com a polícia política.da estructura administrativa do DEOPS/SP, São Paulo 2002 ( Dossiês DEOPS/SP,Apesar dos autos da polícia política apontarem claramente para uma cooperaçãoVolume 3); dies. et al., O DEOPS/SP ementre a segurança patrimonial e os órgãos da polícia, a extensão da colaboração nãobusca do crime politico: Família 50, Sãopode ser completamente reconstruída uma vez que uma quantidade desconhecidaPaulo 2002 ( Dossiês DEOPS/SP, Volume 4).de documentos foi destruída. Os autos do DEOPS encontravam-se desde a extinçãodo órgão em 1982 até a entrega ao Arquivo do Estado de São Paulo em 1994 sob oscuidados do delegado que chefiou a polícia política até 1982 e, portanto, não tinha umgrande interesse em preservar os documentos em sua íntegra para a posteridade3.A área de comunicação histórica da VW contribuiu consideravelmente com opresente estudo. Agradeço especialmente à Dra. Ulrike Gutzmann que, apósextensas pesquisas documentais, disponibilizou todos os autos relevantes doarquivo do grupo sobre a VW do Brasil, garantindo excelentes condições de trabalhona avaliação dos documentos. Agradeço à Comissão de Fábrica mundial da VW porautorizar a vista dos seus documentos históricos. As Diretoras de Integridade eDireito, Dra. Christine Hohmann-Dennhardt e Hiltrud Werner apoiaram a pesquisanão somente com recursos financeiros, mas também com engajamento pessoal.Mesmo que a VW do Brasil nas últimas décadas tenha destruído quase todos osautos de relevância histórica após o término dos prazos legais de guarda destes,os colaboradores e colaboradoras da comunicação empresarial se empenharamo máximo em providenciar o acesso a documentos da empresa e aos arquivospúblicos. Agradeço especialmente à historiadora Clarice, responsável pelo arquivoda VW do Brasil desde 2013, que ajudou na análise dos autos do DEOPS no Aquivodo Estado de São Paulo. Outro agradecimento cabe a André Senador e DanielTadashi, que apoiaram o projeto ativamente e sem restrições, concedendo ao autora notória hospitalidade brasileira. Susanna Berhorn de Pinho traduziu inúmerosdocumentos para o alemão, poupando assim ao autor, o esforço de se orientarsozinho com os seus recém adquiridos conhecimentos do idioma português.8

2. Da constituição da VW do Brasil até ogolpe militar em 31 de março de 19649

D A C O N S T I T U I Ç Ã O D A V W D O B R A S I L AT É O G O L P E M I L I TA R E M 3 1 D E M A R Ç O D E 1 9 6 4A história da VW do Brasil inicia em 23 de março de 1953, uma época na qual a VW4acabara de se estabelecer nos mercados de exportação fora da Europa. Nessa data, aUm breve resumo sobre a primeira históriaVolkswagen GmbH fundou em São Paulo a Umitada GmbH, para montar o VW Fuscainicial da VW no Brasil encontra-se no(denominado internamente na empresa de tipo 1) na empresa brasileira Brasmotora partir de peças importadas da Alemanha4. Em julho de 1954 a Assembleia dossite da VW do Brasil (www.vwbr.com.Sócios da antiga VW GmbH deliberou o investimento de cinco milhões de marcosacesso em 11/5/2017). Veja também asalemães para a aquisição e ampliação de uma montadora própria no Brasil, após ainformações sobre o capital inicial norescisão contratual pela Brasmotor5. Mas somente em 1955 as condições jurídicasarquivo da VW em Wolfsburg (UVW),para esse vultuoso investimento direto foram acordadas entre o governo brasileiro69/345/1. Sobre a história da VW doe o governo federal alemão. Em 12 de julho de 1955 a VW fundou uma subsidiáriaBrasil até o início dos anos 60, o livro debrasileira na forma de uma sociedade anônima (VW do Brasil Sociedade Anônima)Volker Wellhöner, “Wirtschaftswunder”,que assumiu a montadora em São Paulo.Weltmarkt, westdeutscher r 1996, páginas 259-296 continuaA montadora na Rua do Manifesto no bairro do Ipiranga foi a primeira fábrica quesendo uma referência.produziu carros Volkswagen fora da Alemanha. A decisão de fundar a primeirafábrica de produção estrangeira em um país predominantemente agrícola fora5da Europa foi influenciada por diversas considerações. Apesar do mercadoHelen Shapiro, Engines of Growth. Theautomobilístico brasileiro naquele momento ainda ter sido limitado, o Brasil,state and transnational auto companiescomo país com o maior mercado doméstico de todos os países latinoamericanos,in Brazil, Cambridge 1994, página 78 epossuía um excelente potencial de crescimento econômico. Uma vez que os paísesseguintes.; Wellhöner, Westdeutscherlatinoamericanos, durante e após a Segunda Guerra Mundial, apresentavamFordismus, página 269.consideráveis taxas de crescimento devido à crescente demanda por bens agrícolas,o Brasil, junto com a Argentina, era considerado propício para uma indústria futura.6Helen Shapiro, Engines of growth, páginaA decisão de importar as partes do VW Fusca como conjuntos CKD (completelyknocked down) para o Brasil e montar os veículos somente no país destinatáriofoi motivada principalmente pela política comercial. Devido às altas taxas deimportação de veículos prontos, a instalação do processo de montagem no Brasilvalia a pena. Uma vez que os pagamentos para o exterior eram regulamentados porcâmbios definidos pelo Governo Federal e o Brasil fazia a distinção entre grupos demercadorias necessários e dispensáveis para a economia, o câmbio para peças deveículos era 40% mais barato do que para os veículos completos6. As consideráveisvantagens das tarifas alfandegárias e dos câmbios compensaram a desvantagem daVW do Brasil ter montado somente 2.268 Fuscas e 552 VW Kombi (tipo 2) entre 1953e 1957 e da produtividade ainda ser baixa devido às poucas unidades produzidas.Já por ocasião da fundação da VW do Brasil, o Presidente da VW da AlemanhaHeinrich Nordhoff (1899-1968) considerou a construção de uma fábrica deprodução no Brasil, mas com as previsões incertas de vendas e a situação políticaimprevisível no Brasil, ainda hesitava em definir um cronograma a médio prazo. A1048-51.

D A C O N S T I T U I Ç Ã O D A V W D O B R A S I L AT É O G O L P E M I L I TA R E M 3 1 D E M A R Ç O D E 1 9 6 47política de industrialização decisiva do governo brasileiro obrigou a VW em 1956Wellhöner, Westdeutscher Fordismus,a decidir rapidamente pela construção de uma fábrica de automóveis completapáginas 269 e seguintes.no Brasil. Apesar do ainda presente ceticismo a cerca das chances de sucesso deuma fábrica de automóveis completa, só restava a Nordhoff a alternativa entreinvestir em uma fábrica completa ou abrir mão para sempre do mercado brasileiro.O denominado plano de metas do governo eleito democraticamente de JuscelinoKubitschek estabeleceu para 1956 a meta de construir uma indústria automobilísticacompletamente nacional até 1960, substituindo quase todas as importações deveículos prontos ou conjuntos CKD por carros de passeio e caminhões de produçãonacional. Para o controle desse programa de autarquia industrial, o governobrasileiro instaurou um grupo interministerial com a incumbência de instalar aindústria automobilística (Grupo Executivo da Indústria Automobilística – GEIA),definindo normas obrigatórias para um setor que estava quase exclusivamente nasmãos de estrangeiros.O projeto para a instalação de uma indústria automobilística nacional não foiuma ação solitária na política econômica brasileira, mas elemento central de umprograma de desenvolvimento bastante ambicioso. O recém eleito PresidenteJuscelino Kubitschek resumiu esse programa de desenvolvimento com o lemapopular de realizar um processo de desenvolvimento de 50 anos em 5. O elementomais proeminente desse plano de desenvolvimento foi a construção na nova capitalde Brasília no centro geográfico do país, mundialmente discutida pelo seu conceitofuturista de arquitetura e urbanismo.O plano geral da GEIA para a indústria automobilística brasileira exigia dosfabricantes de automóveis nada menos do que fabricar até 1º de julho de 1960,todos os veículos com no mínimo 95% de peças de produção nacional. Para peruase veículos utilitários como a VW Kombi, a meta era somente pouco inferior,figurando em 90%. A VW e os demais produtores de veículos automotores nomercado brasileiro como a General Motors, Willys Overland e a Ford enfrentavamo dilema de investir em fábricas de produção completas ou abrir mão do mercadobrasileiro. Uma vez que a cota de produção nacional de 95% também era vigentepara fornecimentos de outras empresas, também as grandes empresas alemãs deautopeças como a Bosch resolveram se estabelecer próximo aos seus clientes.Uma vez que a montadora em São Paulo estava localizada em uma área densamenteconstruída, não permitindo nenhuma expansão, a VW do Brasil adquiriu, em 1955,terreno adequado para a construção de uma fábrica automobilística completa nacidade industrial de São Bernardo do Campo, localizada 20 km ao sul7. A cidadede São Bernardo do Campo, naquela época caracterizada pela indústria moveleira,11

D A C O N S T I T U I Ç Ã O D A V W D O B R A S I L AT É O G O L P E M I L I TA R E M 3 1 D E M A R Ç O D E 1 9 6 4tornou-se centro da indústria automobilística (Capital do automóvel), ou seja,8a Detroit da América Latina, também devido às fábricas de outros fabricantesShapiro, Engines of Growth, página 252;estrangeiros como a Willys-Overland, a Ford, a Mercedes-Benz e a Scania. A fábricaveja UVW, 1184/355/3.da VW não estava conectada à rede ferroviária, mas situava-se diretamente à ViaAnchieta, que conectava a região metropolitana de São Paulo com a cidade portuária9de Santos, e foi passo a passo ampliada para uma estrada. A VW do Brasil transferiuWellhöner, Westdeutscher Fordismus,inicialmente a produção das Kombis para a nova fábrica, semi-concluída, na qual apágina 288.produção iniciou em 2 de setembro de 1957. Em 3 de janeiro de 1959 foi realizadoo comissionamento completo da fábrica com o início da produção do fusca.10Naquela época, a VW do Brasil ainda importava os motores na Alemanha. Uma vezShapiro, Engines of Growth, página 52.que os fornecedores de autopeças não conseguiam acompanhar a velocidade deInformações sobre a política cambialcrescimento exigida, a meta de 95% de conteúdo local não foi alcançada até meadosdo Brasil até 1961 constam na obra dede 1960. Em 30 de junho de 1961 o conteúdo local do Fusca da VW alcançou 92%, daKombi até 94,6%8. Como a meta não foi cumprida, a VW teve que pagar uma multa:referência de Werner Baer, The Brazilianaté a produção própria completa dos motores a partir do início de 1962 a VW doBoulder 2008 (6ª edição), páginas 55-60.Economy. Growth and Developement,Brasil pagou 90% ao invés de 5% de taxas de importação para peças de motores.911O governo brasileiro esperava da nova fábrica da VW um incremento doShapiro, Engines of Growth, páginas 142 ecrescimento econômico com a expectativa de que o engajamento da VW quebrasseseguintes. O câmbio do dólar até 1960 foia forte dominância dos grupos automobilísticos americanos GM, Ford e Chryslerde 4,20 DM, de 1960 a 1969 4,00 DM.na indústria automobilística brasileira. Por isso, o Presidente Juscelino Kubitschekagraciou com a sua presença a cerimônia de inauguração oficial da fábrica em 18de novembro de 1959, para a qual também o presidente da VW Heinrich Nordhoffviajara ao Brasil. Fotos do trajeto conjunto do Presidente Kubitschek com Nordhoffem um VW conversível pela fábrica, passando pelos trabalhadores enfileiradosaplaudindo, foram publicadas na imprensa brasileira, trazendo para a VW umgrande prestígio entre o público brasileiro. Com a participação do presidente nacerimônia de inauguração, a VW do Brasil foi simbolicamente valorizada pelomaior representante da nação, fato importante para a imagem da empresa.Os altos gastos de investimentos com a fábrica da VW em São Bernardo foramreduzidos com uma gama de incentivos de políticas comerciais, cambiais ede crédito. A Supenintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC isentou asimportações de equipamentos e máquinas para fabricantes automobilísticosda obrigação de realizar um depósito monetário com os respectivos custos dejuros para importações. No período de construção da indústria automobilísticabrasileira no final dos anos 50 e no início dos anos 60, as importações de bens deinvestimento de investidores estrangeiros como a VW foram isentados de taxasde importação. Enquanto os importadores, via de regra, tinham que adquirirdevisas para importação no câmbio oficial do SUMOC, a VW do Brasil recebeu umaparte dos valores em marcos para a aquisição das máquinas da Alemanha a um12

D A C O N S T I T U I Ç Ã O D A V W D O B R A S I L AT É O G O L P E M I L I TA R E M 3 1 D E M A R Ç O D E 1 9 6 412câmbio bem melhor10. De 1956 a 1960 a VW do Brasil conseguiu importar bens deop.cit. páginas 145-148.investimento no valor de 11,2 milhões de US (46,9 milhões de marcos alemãesconforme o câmbio do dólar da época) predominantemente da Alemanha, obtendo13assim uma vantagem cambial estimada de 25% (11,9 milhões de marcos).11calculado a partir de Shapiro, Enginesof Growth, páginas 152 e seguinte; e daAlém disso, foram concedidos à VW do Brasil em 1959 e 1960 créditos com jurostabela de câmbio do Institute of BrazilianBusiness & Public Management Issues dadiferenciados da SUMOC no valor de 4,3 milhões de US (18,1 milhão de marcosalemães) que deveriam ser quitados até 196712. Apesar de uma bonificação deGeorge Washington University, Washingtonjuros baixa, os créditos públicos facilitaram consideravelmente o financiamentoDC (www2.gwu.edu/ ibi/database/da fábrica da VW, uma vez que reduziram nessa ordem a necessidade deExchange Rate 1954-present.pdf, acessofinanciamento da matriz da VW. O banco de desenvolvimento BNDE (Bancoem 11/5/2017). Todos os demais valoresNacional do Desenvolvimento Economico) concedeu à VW do Brasil um crédito deem cruzeiros foram convertidos em dólares150 milhões de Cruzeiros (conforme o câmbio da época 1,4 milhões de US ou 5,9com base nessa tabela e transformados emmilhões de marcos alemães) em março de 1958, a uma taxa de juros reduzida demarcos alemães utilizando-se a estatística11%. Uma vez que que a taxa de juros usual dos bancos comerciais brasileiros dede câmbio do Banco Central Alemão1958 a 1960 figurava em torno de 23% e o prazo de financiamento era de cinco[Bundesbank].anos, a bonificação de juros pelo período inteiro somava 3,5 milhões de marcosalemães13. Considerando-se uma taxa de inflação média anual de 39,5% (1958 a141963) a VW obteve a cada ano juros reais negativos de 28,5%, o que em cinco anosTaxas de inflação de acordo com Baer,somaram um benefício de 8,4 milhões de marcos alemães14.Brazilian Eeconomy, página 410.Poucos anos após a inauguração da fábrica de São Bernardo, a VW do Brasil15tornou-se líder no mercado de automóveis brasileiro. Responsável pelo sucesso noWellhöner, westdeutscher Fordismus,mercado brasileiro foi, além da produção em grandes séries de um único modelopáginas 283-286.a baixos custos (o Fusca da VW), especialmente o produto propriamente dito. Osmodelos mais econômicos dos maiores concorrentes GM e Ford eram maiores,16mais pesados e mais caros, tanto na aquisição como na manutenção. Na classe dosConsiderando a alta desigualdade socialveículos de pequeno porte para famílias, os únicos concorrentes da VW do Brasil aténa sociedade brasileira em relação a renda,patrimônio e chances de educação e a, pora entrada da Simca e Fiat no mercado no final dos anos 60, era o Renault Dauphine,fabricado pela Willys Overland sob licença para o mercado brasileiro15. No entanto,muito tempo, baixa chance de ascensãoo Renault Dauphine já em 1960 perdeu para o Fusca e não conseguiu se estabelecerpara uma classe mais alta, o conceitono mercado brasileiro.de classe é adequado para o período emanálise.Devido ao seu baixo preço, o Fusca estava predestinado para um mercado deconsumidores de baixa renda média per capita e uma classe média pequena, com17crescimento16 lento. As suas características técnicas marcantes como o motorAté a década de 70 o Fusca no Brasil erarefrigerado a ar, adequado para o clima subtropical e o chassis robusto com grandesfornecido sem calefação, para reduzir osrodas e uma distância entre eixos bastante ampla eram adequados para transitarcustos de produção e o preço de venda.em uma região, que fora das áreas metropolitanas nos anos 60 e 70, caracterizava-sepor ruas não asfaltadas. Defeitos construtivos como a falta de calefação não tinhamimportância para o clima subtropical brasileiro17. A facilidade de manutenção e a13

D A C O N S T I T U I Ç Ã O D A V W D O B R A S I L AT É O G O L P E M I L I TA R E M 3 1 D E M A R Ç O D E 1 9 6 4tecnologia de motor e chassis bastante simples contribuíram para o seu sucesso18em um país ainda pouco desenvolvido. Para manter o preço de venda baixo,Correspondência de Werner P. Schmidtquaisquer melhorias que provocariam um aumento de preço foram introduzidasa Rudolf Leiding, 4/11/1973, em: UVW,mais tarde que na Alemanha. Enquanto a calefação, considerando o clima quente,174/576/1.era completamente dispensável sem reduzir o conforto, a introdução tardiade acessórios importantes para a segurança pode ser considerada eticamente19questionável. O Fusca brasileiro, por exemplo, só foi construído com uma colunaA composição da Diretoria nos anos 60de direção de segurança em 1976, nove anos depois do modelo alemão. A diretoriaconsta em UVW 1053/105/1.da VW do Brasil procurou adiar a introdução das novas diretrizes de segurança paracarros, influenciando o governo18.20Sobre as carreiras de brasileirosTambém a imagem sem classes da marca e a origem alemã do carro, carinhosamentedescendentes de alemães na VW do Brasildenominado de Fusca pelos brasileiros, proporcionaram vantagens para a VW.encontramos muitos exemplos, relatadosComo a propriedade de um carro até os anos 80 era uma característica de distinçãonos aniversários de tempo de serviço desocial na sociedade brasileira, o baixo prestígio da marca só trouxe impactos paraexecutivos no jornal da empresa “Familia”.a classe média alta e alta. A origem alemã foi positiva para a imagem da marca VWno Brasil, uma vez que estereótipo negativo do “gringo” referia-se mais aos EUA,21economicamente e politicamente (super)poderosos e aos americanos, mas nãoNo arquivo do grupo VW em Wolfsburgcontra a Alemanha e as empresas alemãs. Face à associação positiva dos produtosexistem algumas cópias de atas daalemães com solidez e qualidade, a origem alemã do “Fusca” e dos demais modelosdiretoria. No arquivo da VW do Brasil nãoda VW do Brasil trouxe vantagens para a imagem.constam atas de reuniões de diretoria,uma vez que estas foram destruídasNa sua fundação no ano de 1954, a VW do Brasil participou o grupo Monteiro-após o término do prazo legal de guarda;Aranha como acionista minoritário com 20%. Um argumento para a participaçãoentrevista com Jacy Mendonça, 29/3/2017das influentes famílias de industriais Aranha e Monteiro foi, além dos recursos de(Jacy Mendonça foi diretor de RH da VW docapital na época ainda escassos da VW, a rede de relações dos sócios com a indústriaBrasil a partir de 1981).brasileira, com os ministérios e com a elite política. Uma vez que a sua participaçãoera inferior à minoria de bloqueio de 25%, o bloqueio por parte dos acionistasminoritários seria impossível, salvo nas decisões sobre aumento de capital.Na diretoria da VW do Brasil até os anos 80, todos os departamentos com exceçãodo RH e do jurídico eram ocupados por expatriados alemães que, via de regra, nãohaviam vivido no Brasil antes19. Também no nível gerencial abaixo da diretoria,os gerentes alemães expatriados de Wolfsburg eram a maioria. Apesar dopercentual dos gerentes alemães e técnicos expatriados nos anos 70 só perfizeramaproximadamente 0,2% (70 de 35.000), um grande número de posições chave eramocupadas por alemães. Os brasileiros de origem alemã e os imigrantes de línguaalemã da primeira geração cumpriam, muitas vezes, como técnicos e mestres naprodução ou como funcionários nos cargos mais altos na administração a tarefade comunicar aos colaboradores brasileiros as ordens da diretoria, devido ao seudomínio das duas línguas e dos conhecimentos do país20. Como a maioria dos14

D A C O N S T I T U I Ç Ã O D A V W D O B R A S I L AT É O G O L P E M I L I TA R E M 3 1 D E M A R Ç O D E 1 9 6 422diretores eram alemães, o alemão permaneceu língua dominante no nível daUVW, 1053/105/1.gerência até a fusão da VW do Brasil com a Ford, que formou a Autolatina (1987).As reuniões de diretoria eram realizadas em alemão e também a ata era redigida23nesse idioma21.Arquivo estadual da Renânia do NorteVesfália, Dossiê de desnazificação deUma vez que as funções do departamento jurídico exigiam profundosSchultz-Wenk (consultado em 2016 pelo Dr.conhecimentos da legislação brasileira e considerando que o diretor de RH deveriaManfred Grieger).conhecer, além do mercado de trabalho brasileiro, também a complexa legislaçãotrabalhista brasileira, um representante do grupo Monteiro-Aranha (Dr. IgnacioWolfgang Sauer, O homem Volkswagen,Barros Barreto) e um executivo brasileiro contratado pela VW ocuparam essasposições na diretoria22. A Presidência da VW do Brasil entre 1954 e 1969 erra50 anos de Brasil, São Paulo 2012, páginaocupada pelo executivo alemão Friedrich Schultz-Wenk (1914-1969). Schultz-Wenk153. A informação publicada na revistahavia se filiado ao partido nazista NSDAP como adolescente em 1931, foi oficial da“Stern” em 16/10/1966 que Schultz-Wenkmarinha durante a Segunda Guerra Mundial e emigrou para o Brasil em 194923.teria tido a patente de Tenente-Coronel aoApesar de Schultz-Wenk ter optado por viver no Brasil, naturalizando-se brasileiro,final da guerra não parece muito confiável,os seus conhecimentos do idioma português não eram fluentes. As reuniões comconsiderando que ele na época tinhasomente 31 anos.funcionários públicos precisavam ser traduzidas por sua secretária bilíngue EvelinaBoelcke24.25Schultz-Wenk conhecia o presidente da VW Heinrich Nordhoff desde os primeirosRelatório de Schultz-Wenk a Nordhoff,anos após a guerra. A correspondência com o seu amigo íntimo Nordhoff mostra16/4/1964, em: UVW, 174/559/1.claramente que Schultz-Wenk, apesar da cidadania brasileira, sentia-se como24alemão, sem restrições, e que avaliava o seu entorno com uma certa sensação26de superioridade colonialista. A sua opinião negativa sobre a capacidade deSauer, O Homem Volkswagen, página 154.organização dos brasileiros tornou-se evidente em uma longa carta enviada aWolfsburg em 16 de abril de 1964, passados 17 dias do golpe militar. Schultz-WenkAté o início da guerra, Schultz-Wenckelogiou “a organização da revolta, que havia sido extremamente bem preparada,considerando a situação local”25. Em afirmações benevolentes como o elogio dahavia estudara arquitetura de Interiorescapacidade de aprendizado dos migrantes muitas vezes analfabetos do nordestena Academia de Belas Artes de Hamburgo.brasileiro, que trabalhavam na fábrica como trabalhadores treinados, po

temática como metodológica sobre o nazismo, a pesquisa sobre a ditadura militar brasileira por ora avançou pouco. Enquanto especialmente os economistas estadunidenses pesquisam sobre o desenvolvimento econômico do Brasil e

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